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19 | II Série A - Número: 137 | 26 de Maio de 2011

Para que não saia afectado o princípio da separação de poderes é necessário aferir da não afectação do núcleo essencial do princípio que é constitucionalmente protegido. A dispersão de poderes por vários órgãos não comporta a absoluta confusão dos mesmos, salvaguardada a reserva de jurisdição. Com efeito, não se pode negar que existirá, ainda assim, uma área-limite, em que cada poder não pode, sem violação do princípio fundamental, interferir na actuação de outro. Como salienta Gomes Canotilho, ―o princípio da separação exige, a título principal, a correspondência entre órgão e função e só admite excepções quando não for sacrificado o seu nõcleo essencial.‖ (cfr. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2003, p.
559). O problema reside, no entanto, como assinala o mesmo autor, na determinação de qual seja o núcleo essencial de uma determinada função. Uma vez apuradas tais fronteiras, pode-se então aferir se, em cada caso concreto, as mesmas foram ou não ultrapassadas. Parece seguro, no entanto, afirmar que, respeitado o núcleo essencial, ―os diferentes órgãos podem desempenhar competências e funções que não se reconduzam áquelas que, de forma principal, a Constituição lhes reserva‖ (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada – Volume II, 4.ª ed. revista, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, p.
47).
Não cumpre agora ao Tribunal a delimitação exaustiva desse campo inviolável de actuação do Executivo. O que interessa, para a resposta ao pedido que vem formulado, é apurar se a Assembleia usurpou, ou não, pelo Decreto em apreciação, funções que se enquadrem no núcleo essencial da função governativa. Ou, noutra formulação, retomando Gomes Canotilho, verificar se não foram violados os ―limites constitucionais de natureza funcional á liberdade e extensão de conformação do legislador‖ (cfr. a anotação do autor ao Acórdão n.º 1/97, publicada na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 130.º, n.os 3875 e 3876, p. 81). Vejamos o já longínquo, Parecer n.º 16/79, da Comissão Constitucional (in Pareceres da Comissão Constitucional, Volume VIII, pp. 222 e seg.), em que o Conselheiro Luís Nunes de Almeida apôs um voto de vencido, convocável para o tema que nos ocupa. Disse então o Ilustre Conselheiro, ao distinguir decisões políticas de actos administrativos, o seguinte: ―Na realidade, nas democracias de hoje a separação de poderes ç, mais do que nunca, um verdadeiro mito. O que não quer dizer, obviamente, que não continue a ser, isso sim, fundamental encontrar novas formas que permitam assegurar que o Parlamento, o Governo e os Tribunais se controlem e limitem mutuamente; só que, tendo em vista a evolução verificada, e no que respeita às relações Parlamento-Governo, tal terá de se traduzir necessariamente no reforça da capacidade de actuação do primeiro sobre o segundo, e não no contrário: por todas as razões apontadas, o perigo está no esvaziamento das competências parlamentares e não na emergência de regimes convencionais ou de assembleia.
Assim, os que consideram novamente actual a problemática da separação de poderes fundam-se para tanto nos riscos de uma concentração de funções no executivo, sem que o parlamento disponha de meios eficazes de controlo. (») Nem se diga que (») se trata de decisão política mas de acto administrativo reservado ao Governo, tendo em conta o preceituado na alínea g) do artigo 202.º da Constituição, na medida em que estamos perante actos ou ‗providências necessárias á promoção do desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades colectivas‘. E isto porque tais actos e providências só terão natureza meramente administrativa quando, pela sua relevância e considerado o contexto político-social, não assumem uma evidente natureza política; e nesta última hipótese se enquadram as desintervenções, como desde logo inculca o facto de a definição dos seus meios e formas ser reservada à Assembleia da República.
Como decisões políticas que são, as medidas de desintervenção podem e devem ser fiscalizadas pelo Parlamento; fiscalização ou controlo que pode assumir a forma de rejeição. Vejamos o que a este propósito diz Loewenstein: ‗Evidentemente, de um ponto de vista tçcnico, o primeiro meio para a realização da decisão política ç a legislação. (») Quando a iniciativa de uma tal decisão parte do Governo, o que constitui a regra, a aprovação pelo Parlamento é expressão da distribuição do poder: o Parlamento assume a responsabilidade da referida medida. Se o Parlamento rejeita ou modifica a medida, exerce controlo político sobre a liderança do Governo‘.