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15 | II Série A - Número: 137 | 26 de Maio de 2011

Considero, assim como a maioria que fez vencimento, que não resulta da Constituição uma reserva de competência regulamentar a favor do Governo, e que não é possível extrair do texto constitucional uma prédelimitação de um campo que de modo exclusivo lhe esteja reservado (reserva de administração). A Constituição também não reserva ao Governo a exclusiva definição das opções em matéria de políticas públicas. Tal não exclui que se deva considerar que a Lei Fundamental impõe o respeito por um espaço mínimo e essencial de atribuições e responsabilidade próprio do Governo (aliás, a decisão a que se chega neste Acórdão é disso testemunho), que se procurará na delimitação constitucionalmente consagrada para a actividade deste e dos restantes órgãos.
Esse núcleo essencial pode extrair-se da configuração constitucional das atribuições do Governo (no que aqui mais nos interessa, no confronto com as do Parlamento), necessariamente encarada à luz da separação e interdependência de órgãos de soberania. Resulta da Constituição que o Governo é um órgão com legitimidade democrática, politicamente responsável perante o Parlamento, que o fiscaliza (exigindo-se, assim, um mínimo de responsabilidade própria de actuação). A Constituição incumbe o Governo da condução da política geral do País, sendo este o órgão superior da Administração Pública (artigos 182.º e 200.º da CRP), que submete um programa ao Parlamento (192.º da CRP), competindo-lhe o exercício da função administrativa em matéria de direcção dos serviços públicos e da actividade da administração directa do Estado (artigo 199.º, alínea e) da CRP), assim como a prática de todos os actos exigidos pela lei respeitantes aos funcionários e agentes do estado (art. 199.º, alínea d) da CRP), e a feitura dos regulamentos necessários à boa execução das leis (art.
199.º, alínea c), da CRP), sendo o Governo o único órgão com competência regulamentar genérica.
Ora, ponderadas as características fundamentais, não excluo liminarmente que, mesmo em circunstâncias diferentes das que se analisam relativamente às normas que vêm impugnadas, seja ainda possível encontrar situações de que forçosamente se conclua não haver sido respeitado o espaço nuclear mínimo de responsabilidade do Governo constitucionalmente exigido.
Não afasto, por isso, no que mais particularmente ao Governo respeita, que da separação e interdependência dos órgãos de soberania decorra a identificação de situações em que o desenvolvimento de aspectos da política geral do país deva continuar entregue ao Governo democraticamente legitimado, não lhe devendo ser amputado.
Tal não significa que se defenda a existência de limites materiais à competência legislativa da Assembleia da República ou se ponha em causa que a este órgão seja conferida a possibilidade de, por lei, v.g., identificar políticas públicas pré-ocupando um espaço, regulamentando-o, até. Não se pretende afirmar a subtracção de matérias ao poder legislativo do Parlamento ou diminuir a priori a sua competência de definição da política do país. O que entendo é que o Parlamento não pode tudo, em todas e quaisquer circunstâncias. O que, no fundo e a meu ver, a decisão do presente Acórdão confirma, ao ser disso mesmo exemplo. Ou seja, não deve afirmar-se peremptoriamente que por Lei tudo se pode.
Vejamos.
Neste Acórdão o Tribunal pronunciou-se pela inconstitucionalidade da norma do art. 3.º por considerar que «no espaço não ocupado por acto legislativo, cabe ao Governo determinar qual o conteúdo do acto regulamentar exigido para a boa execução da lei», e que «um acto legislativo do Parlamento que, mantendo intocados os parâmetros legais em função dos quais determinada actividade administrativa há-de ser desenvolvida, se limita a revogar a regulamentação produzida ao abrigo dessa mesma legislação que o Governo continua a ter de executar, priva este órgão de soberania dos instrumentos que a Constituição lhe reserva para prosseguir as tarefas que neste domínio lhe estão constitucionalmente cometidas».
Concordo que no espaço não ocupado por Lei e que o Governo preencheu definindo legislativamente aspectos essenciais concretizadores de políticas públicas (aqui, em matéria de sistema de ensino), que depois regulamentou, a Assembleia da República não pode aprovar uma Lei que revogue a regulamentação respectiva, ordene a sua modificação e imponha que sejam encetadas negociações, de modo calendarizado.
Mas não sustentaria, sem mais, como faz o Acórdão, que a Assembleia da República pode sempre modificar as opções fundamentais do Governo em matéria de políticas públicas, também elas materialmente caracterizadoras da orientação da actividade estadual. Tenho, além do mais, para mim, que a situação em apreço não obrigava a que se esgrimisse este argumento, facto que pesou decisivamente para que não acompanhasse a fundamentação do Acórdão na sua totalidade.