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14 | II Série A - Número: 137 | 26 de Maio de 2011

actos normativos e não normativos, antes definira. E ordena que o Governo escolha um outro modelo, impondo-lhe o reinício do procedimento que a tal conduza.

2. Assim entendido, na sua unidade, o acto do Parlamento, o problema que ele coloca não é, nem um problema de hierarquia de normas (de relação entre lei e regulamento), nem um problema de distinção substancial das funções do Estado (de limites da função legislativa face a uma eventual reserva da função administrativa). Não estão em causa relações entre normas ou entre funções. Estão em causa as relações entre dois diferentes Poderes do Estado, cada um deles dotado de estatuto constitucional próprio. É certo que a pergunta formal que a este propósito se formula é a de saber se a lei pode tudo e se tudo pode ser lei. Mas a pergunta substancial que por detrás da questão formal se esconde é a de saber quanto, em relação ao Governo, pode o Parlamento.
Penso que para responder a esta questão não basta considerar que o Governo é (por definição constitucional) o órgão superior da administração pública. Ou que lhe compete, enquanto tal, fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis e praticar todos os actos exigidos pela lei respeitantes aos funcionários e agentes do Estado e de outras pessoas colectivas públicas. Como não está em causa um problema atinente ao recorte material da função administrativa (que, como o Tribunal sempre tem dito, dificilmente se retirará da Constituição) mas um conflito de competências entre dois poderes do Estado, para se saber se o poder parlamentar invadiu ou não o campo próprio do poder governativo é preciso que este último seja visto precisamente como aquilo que é – como um poder que, para além de administrar, governa. Ou como diz a Constituição: como poder exercido pelo órgão de condução da política geral do País.

3. Entendeu a maioria do Tribunal que poderia sustentar, neste caso, a pronúncia de inconstitucionalidade (por violação do princípio da separação dos poderes) na simples caracterização do Governo enquanto órgão superior da administração pública, em geral, e enquanto órgão dotado das competências administrativas especiais que a Constituição, no artigo 199.º, alíneas c) e e), lhe atribui.
Dissenti desta fundamentação porque a entendi insuficiente.
A Assembleia, por lei, decidiu vanificar uma política que o Governo prosseguira (através de um procedimento complexo que, como já disse, não incluiu apenas actos normativos) sem nada colocar em seu lugar. E ordenou-lhe que adoptasse uma outra. Entendo que a decisão parlamentar violou o princípio da separação dos poderes – nessa sua dimensão positiva a que alude o Acórdão, e que inclui ainda a coresponsabilidade dos diferentes poderes do Estado no cumprimento de tarefas constitucionalmente definidas – porque invadiu o núcleo essencial do poder do executivo enquanto poder governativo, tornando-o nessa sua dimensão incapaz de responder por uma política que (não) escolheu. E entendo, ainda, que, ao considerar o estatuto constitucional do executivo apenas na sua dimensão de ―órgão superior da administração põblica‖, o Acórdão acaba por fundir numa mesma argumentação duas questões distintas, a que a Constituição respondeu de diferente forma: uma, relativa aos limites da actuação do Parlamento face ao Governo em contexto de separação de poderes; a outra, relativa aos limites da lei face à administração, mormente ao seu poder regulamentar, em contexto de distinção substancial das funções do Estado. Não era a segunda questão que agora estava em causa.
– Maria Lúcia Amaral.

DECLARAÇÃO DE VOTO

Acompanhei a decisão do presente Acórdão, bem como, no geral, a sua fundamentação: as normas constantes dos artigos 1.º e 3.º do Decreto n.º 84/XI, da Assembleia da República são inconstitucionais por violação do princípio da separação e interdependência dos órgãos de soberania, e, quanto às restantes normas, a sua inconstitucionalidade é consequencial. No entanto, entendo dever precisar alguns pontos em que me afastei da respectiva fundamentação.