O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

9 DE SETEMBRO DE 2015 25

enriquecimento injustificado não tem qualquer aptidão para proteger os bens da transparência e da confiança;

nesta outra, sendo o património de origem lícita, não há bem jurídico carente de proteção. E o desvalor jurídico-

penal da falta da declaração já se encontra amparado com outras prescrições legais, como as que estabelecem

crimes fiscais (artigo 103.º do RGIF) e falsas declarações em relação à declaração de rendimentos (cf. n.º 2 do

artigo 3.º da Lei 4/83, de 2 de abril). Daí que a relação que se estabeleceu entre a ação e o bem jurídico não

tenha sido um modo adequado de tutelar a transparência patrimonial dos titulares de cargos políticos, e por

conseguinte, o tipo incriminador não está suficientemente credenciado pelos princípios da necessidade e da

proporcionalidade ou proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP).

É claro que reconduzir o ilícito-típico à simples incongruência entre o património atualmente possuído e

património anteriormente declarado, sem exigir a justificação da proveniência dos bens, significa construir um

tipo incriminador com base na suspeita de que a incongruência tem origem em atos ilícitos. De facto, o que

causa dano social é a inexistência de explicação satisfatória do modo como o património não correspondente

aos rendimentos percebidos chegou à posse de quem exerce funções públicas. A ausência de justificação do

património possuído faz presumir a proveniência ilícita, uma presunção de violação dos deveres de probidade e

transparência. Só que, como já foi apreciado no Acórdão 179/2012, a falta de justificação da proveniência dos

bens como elemento constitutivo do crime sacrifica o princípio da presunção de inocência, o que não é

constitucionalmente tolerado.

(Lino Rodrigues).

Declaração de voto

Acompanho a pronúncia de inconstitucionalidade quanto às duas normas incriminadoras visadas no pedido

- que por partilharem a mesma estrutura típica consentem uma abordagem conjunta -, por violação dos princípios

da necessidade de tutela penal, da legalidade e da presunção de inocência.

Impõe-se, contudo, quanto ao princípio da necessidade de tutela penal, esclarecer que as razões que me

conduzem a tal juízo não assentam na consideração de que os valores e interesses cuja prossecução é

enunciada pelo legislador, com vista a assegurar a legitimidade jurídico-constitucional da decisão de política

criminal em presença, não preexistam como bens jurídicos – alguns como valores-meios ou instrumentos –

dotados de dignidade jurídico-penal, porque concretizações dos valores constitucionais expressa ou

implicitamente ligados aos direitos e deveres fundamentais.

Em meu entender, os termos em que foi arquitetado o tipo impedem que se estabeleça o indispensável nexo

referencial entre tais bens jurídicos e uma (certa) conduta proibida, deixando essencialmente sem resposta a

questão de saber o que de novo, ou mesmo como reforço – face ao arsenal jurídico-penal votado igualmente à

luta contra a corrupção ou ainda aos crimes fiscais –, se pode retirar da norma penal incriminadora, enquanto

critério orientador do comportamento dos cidadãos. E, sem o poder determinar, não é possível assegurar o

respeito pela "exigência de dignidade punitiva prévia das condutas enquanto expressão de uma elevada

gravidade ética e merecimento de culpa (artigo 1.º da Constituição, do qual decorre a proteção da essencial

dignidade da pessoa humana) que se exprime no princípio constitucional da necessidade das penas (e não só

da subsidiariedade do direito penal e da máxima restrição das penas que pressupõem apenas, em sentido

estrito, a ineficácia de outro meio jurídico)" (Acórdão 211/95). Seguramente, pelo menos ao nível do critério da

carência de tutela penal, as normas que se pretendem introduzir não obedecem às exigências jurídico-

constitucionais decorrentes do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição.

O especial estatuto jurídico-constitucional dos titulares de cargos políticos e a consagração no ordenamento

jurídico de um dever de revelação da riqueza por parte dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos,

nos termos da Lei 4/83, de 2 de abril, não constitui obstáculo a este entendimento. É certo que confere sentido

mais evidente a um dos elementos do tipo – os bens e rendimentos sujeitos a declaração para fins extrafiscais

– e, do mesmo jeito, aproxima o quadro de tutela de valores e interesses como a transparência, a probidade e

a idoneidade sobre a proveniência das fontes de rendimento e património, enunciados pelo legislador, na

perspetiva da especial posição de poder que caracteriza os agentes a que pode ter aplicação o artigo 27.º-A.

Contudo, para além de à violação do dever de transparência e verdade ínsito na relação de comunicação

para com a comunidade contida no referido diploma já se encontrar associada censura jurídico-penal, através