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9 DE SETEMBRO DE 2015 21

Desde logo, o enriquecimento injustificado dos titulares de cargos políticos permanece, tal como o crime

homólogo perpetrado pelo «cidadão comum», um crime de situação ou de estado de coisas. Uma vez que a

formulação da incriminação se esgota na verificação da «incompatibilidade» entre a riqueza que se tem e aquela

outra sujeita a declaração, também aqui o legislador, com essa formulação, se afastou das exigências que para

ele decorrem do disposto no n.º 1 do artigo 29.º da CRP, uma vez que se omite – tal como se omitiu na redação

do n.º 1 do artigo 335.º-A – a especificação do concreto comportamento, comissivo ou omissivo, que constitui o

objeto da censura penal.

Além disso, mantém pertinência a questão relativa à observação do princípio constitucional da presunção de

inocência. Também aqui será de concluir que se considerará consumado o crime pela reunião de dois

elementos: património detido, possuído ou adquirido por um lado; incompatibilidade entre este e aquele outro

sujeito a declaração, por outro. Tal como vimos suceder quanto ao preceito a aditar ao Código Penal, o cerne

da censura do legislador encontrar-se-á, também quanto ao enriquecimento injustificado dos titulares de cargos

políticos, na verificação de uma «incompatibilidade» entre duas grandezas. Assim, a conclusão a extrair será a

mesma que se obteve aquando da análise do artigo 335.º-A: tal significa que, logo na formulação do tipo criminal

e pelo modo como ele foi construído, se contrariou o princípio da presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2, da

CRP), entendido, na sua dimensão substantiva, enquanto vínculo do próprio legislador penal.

Finalmente, a indeterminação, que permanece na construção típica do crime de enriquecimento injustificado

dos titulares de cargos políticos, não permite que se conclua que, através dele, se prossegue um bem jurídico

digno de tutela penal, nos mesmos termos em que tal impossibilidade se verifica quanto ao crime previsto no

artigo 335.º-A. Não se duvida que o bem jurídico complexo (e resumido, na sua complexidade, a uma ideia geral

de confiança, enquanto elemento ético do Estado de direito) que o legislador diz ter corresponda, em abstrato,

a um valor constitucional de primeira grandeza. Todavia, e como se deixou já claro, não basta, para que se

considere perfeita a imposição constitucional da necessidade de pena, a valoração que em tese possa merecer

o bem que, segundo o legislador, com a nova incriminação se terá querido proteger. Fundamental é que, perante

a formulação do concreto tipo criminal que para a sua garantia foi construído, se possa concluir que o bem ou

«valor» protegido não poderia ser garantido de outra forma que não pela criminalização daquele

«comportamento» que foi tipicamente descrito. Ora é uma tal conclusão que a indeterminação da formulação

típica constante do artigo 27.º-A a aditar à Lei 34/87, de 16 de julho, não permite que se retire. Assim, também

por este motivo lesa a norma referida o disposto no n.º 2 do artigo 18.º da CRP.

III – Decisão

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide pronunciar-se pela inconstitucionalidade das

normas constantes do n.º 1 do artigo 1.º e do artigo 2.º do Decreto da Assembleia da República n.º 369/XII, por

violação dos artigos 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 1 e 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

Lisboa, 27 de julho de 2015. — Maria Lúcia Amaral (com declaração conjunta com o Sr. Conselheiro Pedro

Machete) — Teles Pereira — Maria de Fátima Mata-Mouros — Catarina Sarmento e Castro — João Pedro

Caupers — Maria José Rangel de Mesquita — Pedro Machete (com declaração conjunta com a Sr.ª Conselheira

Maria Lúcia Amaral) — Lino Rodrigues Ribeiro (com declaração) — Fernando Vaz Ventura (com declaração) —

Carlos Fernandes Cadilha (com declaração) — João Cura Mariano — Ana Guerra Martins — Joaquim de Sousa

Ribeiro.

Declaração de voto

Entendeu a maioria que, em relação ao aditamento à lei sobre crimes da responsabilidade dos titulares de

cargos políticos, previsto pelo artigo 2.º do decreto, se não deveriam retirar quaisquer conclusões do particular

estatuto constitucional que detêm os agente típicos da incriminação, estatuto esse que é reconhecido nos pontos

16 e 17 do Acórdão.