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9 DE SETEMBRO DE 2015 17

de uma incompatibilidade quantitativa entre o património «tido» e os bens «declarados» ou que devam sê-lo. E

isto independentemente dos motivos, lícitos ou ilícitos, que possam justificar a referida variação patrimonial, uma

vez que a inclusão destes elementos valorativos na descrição típica do que é agora incriminado veio a ser,

propositadamente, evitada. «Incompatibilidade», nesta aceção, seria, assim, um elemento típico estritamente

descritivo.

Contudo, se assim é, fica por esclarecer a razão de ser do próprio nome que foi conferido ao crime, e que

consta da epígrafe do artigo 335.º-A. O qualificativo injustificado, que se acrescenta ao substantivo

enriquecimento, parece pressupor algo mais do que uma simples verificação de montantes patrimoniais não

coincidentes; parece pressupor que à não coincidência se associa logo um juízo de desvalor. A ser assim,

«incompatibilidade», seria já, nesta aceção, não um elemento típico descritivo, mas um elemento típico

normativo. Mas não se vê como possa compreender-se um tal juízo de desvalor, se a «incompatibilidade» entre

as duas grandezas [património tido, património sujeito a declaração] puder ser verificada pela existência de uma

simples discrepância quantitativa – independentemente de qualquer averiguação quanto às suas causas, e à

valoração que elas mereçam ao direito.

Seja como for, a incerteza mantém-se, contribuindo ela própria para que a redação do preceito nada ou

pouco informe sobre o facto voluntário que se erige em objeto da censura penal.

A este ponto acresce um outro, que surge como consequência direta de tudo quanto acaba de dizer-se.

O âmbito da incriminação, assim tão incertamente definido, é de tal modo amplo que poderá abranger

situações de vida muito heterogéneas, e às quais não será legítimo associar um único e indiferenciado juízo de

desvalor jurídico.

Dada a latitude da previsão, pode suceder que a variação patrimonial verificada seja reveladora de uma

prática ilícita, traduzida na prestação de declarações não fidedignas, ou não correspondentes com a realidade.

Nessa situação, porém, uma será a censura que o «comportamento» típico merecerá ao direito, e que se

concretizará na previsão do crime de fraude fiscal (artigos 103.º e 104.º do Regime Geral das Infrações

Tributárias). Poderá também acontecer que, subsumidas ao tipo do enriquecimento injustificado, deste modo

tão latamente descrito, se encontrem variações patrimoniais reveladoras de acréscimos de riqueza obtidos por

práticas que, por envolverem corrupção, enquanto fenómeno lato de captura privada de bens que pela

comunidade deveriam ser fruídos, lesem o «valor» da confiança, tal como o legislador o prefigurou ao identificar

as razões que, a seu ver, justificariam a incriminação. Mas o intenso juízo de desvalor que nesse caso a «ação»

merecerá do direito poderá já decorrer, por exemplo, da previsão do crime de branqueamento de capitais (artigo

368.º-A do Código Penal).

Os exemplos mostram que à heterogeneidade das situações de vida que poderão vir a ser incluídas na

previsão lata do n.º 1 do artigo 335.º-A corresponderão distintos juízos de desvalor jurídico. A ilegitimidade da

associação de todas estas situações a uma única e indiferenciada reação do direito - dotada da intensidade que

é própria da intervenção penal - torna, também ela, incompreensível o sentido da incriminação. Assim, ainda por

este motivo a norma incriminadora não logra definir, com a clareza que o n.º 1 do artigo 29.º da CRP exige, em

que é que consiste o objeto da punição.

15 – A conclusão, que só por si será suficiente para demonstrar que o novo tipo incriminador se não conforma

com as exigências constitucionais que o legitimariam, tem no entanto consequências que se repercutem no

incumprimento dos demais princípios que ao caso são aplicáveis.

Assim, e subsidiariamente, pode dizer-se que, sendo deste modo construído o tipo, tudo indica que se

considerará consumado o crime pela reunião destes dois elementos: património detido, possuído ou adquirido

por um lado; incompatibilidade entre este e o sujeito a declaração, por outro. Pelo menos, é o que decorre de

uma formulação literal que associa a censura penal à simples verificação de uma certa situação ou de um certo

estado de coisas, resultante exclusivamente de uma incongruência, ou de uma «incompatibilidade», entre duas

grandezas. A ser assim presumido o cometimento do crime, sobre o agente recairá o ónus de, já no âmbito de

um processo contra si instaurado, vir a oferecer justificação para a verificada variação patrimonial. E tal

significará que, logo na formulação do tipo criminal e pelo modo como ele foi construído, se contrariou o princípio

da presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2, da CRP), entendido, na sua dimensão substantiva, enquanto

vínculo do próprio legislador penal.