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9 DE SETEMBRO DE 2015 15

Para justificar o aditamento a este elenco resultante do artigo 335.º-A, revelou o Parlamento, no n.º 2 desse

mesmo artigo, que entendia serem os factos descritos no n.º 1 lesivos do Estado de direito democrático, na

medida em que por seu intermédio se agrediriam desde logo «interesses fundamentais do Estado» e a

«confiança nas instituições e no mercado». Acrescentou-se ainda a lesão da «transparência», da «probidade»,

da «idoneidade sobre a proveniência das fontes de rendimento e património», a «equidade», a «livre

concorrência», e a «igualdade de oportunidades».

Destes dois elementos, conjugados - quer da inserção do enriquecimento injustificado no quadro sistemático

dos «crimes contra a realização do Estado de direito», quer dos motivos apresentados pelo legislador para o

prefigurar como um novo tipo de crime, aí enquadrado -, resulta logo, à evidência, que o poder legislativo conferiu

a maior «dignidade», ou o mais intenso peso axiológico, ao bem jurídico que, no seu entender, será protegido

pela nova incriminação. Além disso, dos mesmos elementos resulta igualmente que uma tal intensidade

axiológica, trazida agora, pelo decreto parlamentar, para o universo da incriminação penal, apresenta uma clara

homologia com o sistema de valores constitucionalmente reconhecido. De facto, o legislador não convocou aqui

um interesse coletivo na preservação de valores sociais que só à luz de outros ordenamentos - morais, religiosos

ou ideológicos - que não o ordenamento constitucional merecessem ser preservados. Pelo contrário: os valores

que, de acordo com o decreto, se pretendem preservar, e para cuja preservação se recorre à instância penal,

são os da própria subsistência da arquitetura essencial da ordem constitucional.

Ter-se-á na verdade entendido que, numa ordem como esta - que tem como princípios essenciais, entre

outros, a limitação dos poderes públicos e a proteção da liberdade individual - cada membro da coletividade

política deve poder confiar na possibilidade da máxima efetividade dos princípios constitucionais, ou na

possibilidade da máxima correspondência entre a sua enunciação jurídica e a sua realização na vida. Em Estado

de direito democrático nenhuma autoridade que seja superior ou exterior à Constituição dispõe de meios que

permitam impor coativamente o cumprimento da ordem que ela própria institui. Confiar em que tal cumprimento

se verificará, não obstante a ausência deste «elemento coativo externo», consubstancia assim um pressuposto

de realização do Estado de direito e da democracia. Ora - ter-se-á também entendido - a disseminação de

práticas ilícitas que envolvam corrupção (literalmente: ato ou processo de corromper, de perverter, de usar ou

obter em benefício próprio ou de outrem vantagens ou bens que à comunidade pertenceria usar ou fruir) constitui

um fenómeno que lesa, ou pode vir a lesar gravemente, a confiança de que se nutre a ordem que a Constituição

estabelece; e por isso se incluiu como crime contra a «realização do Estado de direito» aquele que decorrerá

da incompatibilidade existente entre património adquirido, possuído ou detido e bens e rendimentos declarados

ou que devam sê-lo.

A ser, como parece, este o sentido a conferir tanto ao lugar sistemático que o crime de enriquecimento

injustificado ocupa quanto à proclamação de motivos que acompanha o «desenho» do seu tipo, é claro que o

legislador, ao proceder a esse «desenho», entendeu estar em causa uma medida de política criminal que visaria

realizar um bem jurídico dotado de particular dignidade, porque com intensa refração no sistema de valores

constitucionais. Será pois à luz desta consideração - que não pode deixar de ser tida em conta num contexto

em que a margem de decisão legislativa determina o âmbito do controlo que dela faz o Tribunal - que se resolverá

a questão de saber se o tipo criminal que por estes motivos foi «desenhado» cumpre ou não os princípios que,

sob a perspetiva da Constituição, o legitimam.

14 – Entendeu o legislador dever prosseguir este bem jurídico, por ele próprio caracterizado como sendo um

bem de primeira grandeza, através da previsão típica de uma infração que decorre, objetivamente, da reunião

de dois elementos: (i) a aquisição, posse ou detenção de património, por um lado; (ii) a incompatibilidade entre

este último e os rendimentos e bens declarados ou que devam sê-lo, por outro. O agente típico da infração

confundir-se-á com o cidadão comum, uma vez que a incompatibilidade entre o património adquirido, detido ou

possuído e aquele outro a declarar será criminalmente relevante sempre que ocorrer na esfera de qualquer

pessoa. É o que se depreende da frase com que se inicia o «desenho» do tipo («quem, por si ou por interposta

pessoa...»), e que abre o n.º 1 do artigo 335.º-A.

Assim sendo, o alvo da censura jurídico-penal, ou, dizendo por outras palavras, o «comportamento» típico

que é punível, e que se considera apto para lesar atual ou potencialmente o bem jurídico valioso que se quis

proteger, confunde-se com a existência de uma incompatibilidade ou incongruência entre duas grandezas - o

património «tido» e o «sujeito a declaração». E residindo aí, nessa incompatibilidade, o cerne da censura do