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9 DE SETEMBRO DE 2015 13

ele também decorre de usar o recurso à sanção penal apenas como «recurso de última instância», estará na

garantia de que só assim - só através de uma valoração jurídico-criminal dos comportamentos formulada de

maneira tão precisa quanto possível, de modo a que não restem dúvidas quanto aos valores protegidos e quanto

à clara definição dos elementos de infração - se poderá saber o que é criminalmente censurável, e, portanto,

passível do mais intenso juízo de desvalor que o Estado, através da lei, pode aplicar aos membros da

comunidade. Sem esta cognoscibilidade necessária do que é criminalmente relevante (e das razões por que o

é) não pode em última análise garantir-se a lealdade dos membros da comunidade ao direito, entendida nos

termos em que o Tribunal a descreveu no Acórdão 83/95, ponto 6: «[o] direito penal de um Estado de Direito

tem de edificar-se sobre o homem como ser pessoal e livre para se decidir pelo direito ou contra o direito - de

um homem, por isso mesmo, responsável pelos próprios atos e responsável para estar com os outros».

10.3 – Tanto o princípio da necessidade de pena (artigo 18.º, n.º 2, da CRP) quanto o princípio da legalidade,

sob a veste de lex certa (artigo 29.º, n.º 1), integram valores nucleares do Estado de direito na exata medida em

que ambos exprimem o valor da liberdade individual. E ambos pressupõem que, em casos de dúvida, prevaleça

essa mesma liberdade: in dubio pro libertate.

Por isso mesmo, no momento em que define o alvo da sua censura, o legislador que escolhe fixar novas

criminalizações - com o intuito de assim prosseguir uma certa política criminal - também não deve construir as

normas penais de tal modo que, através das suas formulações, possa o cometimento do crime presumir-se

(Acórdãos n.os 270/87, 426/91, 135/92, 252/92, 246/96, 604/97 e 609/99). A tal se opõe o n.º 2 do artigo 32.º da

CRP que consagra o princípio da presunção de inocência, princípio esse que - embora protraído nas regras

processuais de proibição de autoincriminação do arguido e de inversão do ónus da prova - não deixa de ter

como o primeiro destinatário, não apenas o legislador das normas de processo, mas antes, como sucede no

caso, o que define substantivamente os novos tipos incriminadores.

10.4 – A necessidade de pena (artigo 18.º, n.º 2 da CRP), a exigência de lei certa (artigo 29.º, n.º 1) e a

presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2) são padrões de legitimação da constitucionalidade de novas

incriminações cuja verificação, em caso algum, se pode dispensar. Em Estado de direito, nenhuma política

criminal, qualquer que seja o seu escopo, se legitima, se através dela se não reunirem as exigências decorrentes

destes três princípios. A possibilidade de decomposição analítica dos seus conteúdos, através da descrição

separada dos diferentes standards de julgamento que deles emirjam, não pode fazer perder de vista a unidade

substancial e valorativa em que todos eles [estes princípios] se encontram, unidade essa que ocupa, numa

ordem constitucional como a nossa, que favorece a liberdade, um lugar primordial.

Com efeito, se, num Estado com as características daquele que o artigo 2.º da CRP institui, o recurso à

criminalização de comportamentos e à previsão de penas deve ser um recurso de ultima ratio, a evitar sempre

que permaneçam incertezas quanto à necessidade da intervenção penal, sempre subsidiária e fragmentária, tal

sucede pelo mesmo fundamento que justifica os limites constitucionais ao modo da incriminação. Ora, quanto

ao modo, não podem também existir em Estado de direito crimes e penas que não sejam previstos em lei que

seja certa, como não podem ser previstos crimes de tal ordem, ou por tal forma, que se presuma o cometimento

do ilícito criminal, devolvendo-se a quem é desse cometimento acusado todo o ónus da refutação da acusação.

A unidade valorativa que une estas três exigências está no facto de todas elas emergirem da mesma ideia básica

de favorecimento da liberdade.

Será, portanto, a partir desta unidade valorativa - repercutida num lastro jurisprudencial que conta com três

décadas de afirmação - e tendo-a sempre em conta que se analisará, primeiro, o aditamento ao Código Penal

previsto pelo artigo 1.º, n.º 1, do Decreto 369/XII da Assembleia da República; e, de seguida, o aditamento à Lei

34/87, de 16 de julho, previsto pelo artigo 2.º do mesmo decreto.

C. Do aditamento ao Código Penal

11 – O artigo 335.º-A, cujo aditamento à Secção II do Capítulo I do Título V do Livro II do Código Penal o

decreto da Assembleia determina, contém uma formulação que se estrutura em seis números. No primeiro

enunciam-se desde logo os dois elementos que, reunidos, perfarão o novo tipo criminal - (i) quem por si ou por

interposta pessoa, singular ou coletiva, adquirir, possuir ou detiver património; (ii) que seja incompatível com os