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II SÉRIE-A — NÚMERO 184 18

Por outro lado, perante esta formulação do tipo incriminador torna-se igualmente impossível divisar qual seja

o bem jurídico digno de tutela penal que justifica a incriminação. Particularmente, torna-se manifestamente

impossível nele (no tipo) divisar a prossecução daquele bem, dotado da mais intensa dignidade porque da mais

intensa refração na ordem axiológica da Constituição, que o próprio legislador, no caso, diz ter prosseguido.

Criminalizar uma mera variação patrimonial entre duas grandezas, o património detido e aquele outro sujeito

a declaração, significa optar por uma medida de política criminal de tal modo imperfeitamente desenhada que a

partir dela se não consegue vislumbrar qual seja verdadeiramente a «conduta» humana objeto da censura

jurídico-penal. Em tais circunstâncias, nas quais se encontra comprometida a própria possibilidade de a

formulação da incriminação dar a conhecer o que é ou não proibido pelo direito, comprometida estará também

a possibilidade de se anteverem os bens que justificariam a incriminação. Tanto bastará para que se considere

que no caso se não cumpriu a exigência que decorre do disposto no n.º 2 do artigo 18.º da CRP, segundo a qual

só será constitucionalmente legítima a medida de política criminal que, traduzindo-se na instituição de uma nova

incriminação, vise a preservação de um «valor social» cuja tutela se mostre dotada - nos termos atrás expostos

(cf., supra, ponto 10.1.) - de dignidade jurídico-penal. Numa incriminação de tal modo lata que pode englobar

situações de vida heterogéneas, às quais não é legítimo associar uma única e indiferenciada reação por parte

do direito, é logicamente impossível que se divise por que motivo resolveu o legislador unir a heterogeneidade,

desencadeando para ela a intervenção penal que, em Estado de direito, deve constituir sempre um recurso de

última instância.

A estas considerações não obstam as indicações que o próprio Parlamento forneceu, no n.º 2 do artigo 335.º-

A, relativamente às razões pelas quais assim decidia instituir o crime de enriquecimento injustificado.

Como já se viu, tais indicações, que não têm eficácia prescritiva, intendiam conferir ao «bem jurídico»

protegido pela nova incriminação uma particular intensidade axiológica, e assim, à necessidade da sua tutela,

uma particular dignidade. A especial refração que esse bem teria no sistema de valores da Constituição - por se

concretizar em exigências de preservação do Estado de direito democrático - assim o demonstraria. Contudo,

não se vê que articulação possa existir entre o tipo criminal, tal como ele foi desenhado no n.º 1 do artigo 335.º-

A, e a preservação deste valor constitucional de primeira grandeza. O tipo, já o sabemos, preenche-se com a

verificação da «incompatibilidade» entre o património tido e o sujeito a declaração. Ora, no que ao cidadão

comum diz respeito, não se vê como pode a ocorrência desta incompatibilidade ser por si só ofensiva dos

«interesses fundamentais do Estado» ou da «confiança nas instituições e no mercado», ou tão pouco em si

mesma expressão necessária de uma «agressão» a valores como a «transparência» e a «probidade», inter alia.

Ao cidadão comum, que é o agente típico da infração prevista no artigo 335.º-A, não se conferem especiais

poderes de decisão que afetem a vida da sociedade política como um todo. Por isso mesmo - e diversamente

do que ocorre, como se verá já de seguida, com os titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos - não

se encontra ele sujeito a um qualquer dever, que o oponha a toda a comunidade, de perante ela desvelar

permanentemente as vicissitudes por que passe a qualquer momento e por qualquer motivo o património que

adquira, detenha ou possua. O bem jurídico digno de tutela penal (maximamente digno dessa tutela) que,

segundo as palavras do legislador, justificaria a incriminação constante do n.º 1 do artigo 335.º-A que o decreto

da Assembleia pretenderia aditar ao Código Penal não é assim, face à formulação literal que esse mesmo

decreto confere à norma penal incriminadora, passível de ser divisado enquanto finalidade a ser prosseguida

pela incriminação.

D. Do aditamento à Lei 34/87, de 16 de julho

16 - A segunda medida de política criminal tomada pela Assembleia da República através do Decreto 369/XII

que nos presentes autos é impugnada diz respeito aos crimes de responsabilidade de titulares de cargos

políticos e de altos cargos públicos. É na Lei 34/87, de 16 de julho, que se sedia o regime aplicável à prática

desta categoria de crimes. Por isso mesmo, a lei começa por definir não apenas o que se deva entender por

titulares de cargos políticos e titulares de altos cargos públicos (artigos 3.º e 3.º-A) mas ainda o que se deva

entender por crimes de [sua] responsabilidade, esclarecendo que no âmbito do conceito se incluirão todos os

que forem praticados no exercício de funções (artigo 1.º). A seguir, preveem-se os [concretos] tipos de crimes e

as sanções que lhes serão aplicáveis, sendo por ora de destacar, nesse elenco, a previsão do crime de

prevaricação (artigo 11.º), recebimento indevido de vantagem (artigo 16.º), corrupção passiva (artigo 17.º),