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16 DE DEZEMBRO DE 2017

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A produção da pedra destinada ao pavimento constitui, também ela, uma atividade tradicional no nosso país,

localizada nos maciços calcários das orlas mesocenozóicas. Existem explorações diferenciadas umas das

outras, seja pela especificidade da própria pedra, seja pelo método de produção adotado.

A riqueza e a originalidade da calçada portuguesa são das características mais evidentes deste tipo de

pavimento, porventura, em virtude das grandes afinidades que tem com o mosaico. No entanto, superando o

carácter doméstico do mosaico, a calçada portuguesa coloca a arte do jogo pétreo à escala urbana,

possibilitando uma execução em superfícies de grande dimensão sujeitas a utilização intensa, com diacronia

alargada. O revestimento que proporciona ao solo, não só é resistente, como é reutilizável e permeável às

águas, aliando durabilidade à qualidade estética.

Pode dizer-se que não há duas calçadas portuguesas iguais pois, além de serem utilizados diversos motivos

geométricos e figurativos, no resultado final se manifestam as características do calcário utilizado, a qualidade

do corte da pedra de calçada e a mestria do calceteiro.

A origem da calçada portuguesa está intimamente ligada à cultura e à tecnologia de construção de época

romana e ao processo de romanização da Península Ibérica. Aliás, Vitrúvio, na obra De Architectura, descreve

as técnicas de construção e os materiais ideais para que um mosaico cumpra a sua função de revestimento do

solo, com algumas semelhanças evidentes relativamente à atual técnica de construção dos pavimentos em

calçada.

Existem no, nosso país, diversos vestígios arqueológicos de época romana que revelam técnicas construtivas

que contribuíram para o surgimento da calçada portuguesa, designadamente, a técnica de empedramento. Esta

técnica foi utilizada no revestimento das vias de comunicação, com uma finalidade sobretudo prática, bem como

na vertente decorativa, através dos mosaicos artísticos. Por sua vez, os romanos foram beber influências

técnico-artísticas, nesta matéria específica, a outros povos: etruscos, cartagineses, fenícios e egípcios.

As aplicações de pedra natural no pavimento no território português ressurgem, de forma mais consistente,

apenas na Idade Moderna, com vista à melhoria das condições de circulação das principais artérias das cidades

costeiras. A pavimentação, com recurso a granito e basalto, acabará por tornar-se imposição legislativa no

século XV, por via do seu carácter estritamente utilitário.

No século XVIII, alguns tipos tradicionais de calçada ganham relevo em elementos decorativos originais. A

partir da época pombalina observam-se residências particulares com átrios, cujo chão continha produções

artísticas de contraste bicromático, sendo as mais antigas executadas com seixos. A utilização de pedra para

pavimentação de grandes áreas de chão com finalidade decorativa e não apenas para revestimento, surge nos

meados do século XIX.

Terá sido por iniciativa do tenente-general Eusébio Cândido Furtado (1777–1861) que, junto ao Castelo de

S. Jorge (do qual foi Governador de Armas), terá surgido a primeira calçada portuguesa. A partir de 1842, esta

nova forma de emparelhar as pedras ocupou a entrada do Castelo e iria estender-se por com o seu padrão em

ziguezague até à Parada do Quartel do Batalhão de Caçadores n.º 5. Seguiu-se o projeto para a pavimentação

de 8712 m² de uma praça central na cidade de Lisboa – o Rossio – com o chamado “Mar Largo”, agora

recorrendo sobretudo ao calcário negro de Mem Martins e ao calcário branco.

A generalização do uso da calçada portuguesa ocorre principalmente a partir de inícios do século XX. O

reconhecimento do valor da calçada portuguesa enquanto singularidade da nossa cultura não pode desligar-se

da necessidade de valorização dos trabalhadores que lhe dão forma ao longo de todo o processo de produção

e, particularmente, dos calceteiros.

O assentamento da calçada é um trabalho cuja técnica parece ser, teoricamente, simples. No entanto, requer

mestria nas operações que lhes estão associadas, nomeadamente, o emalhetar e o aparelhar das pedras.

Trabalho que requer paciência e experiência, que é fisicamente exigente e desgastante, mas que é também arte

e amor, declarado por vezes nas pequenas assinaturas que cada mestre calceteiro deixa nas suas obras.

Arte e trabalho poucas vezes devidamente estimados porque os salários dos trabalhadores são curtos, as

condições de trabalho inadequadas, e porque cada vez mais se vai, como soe dizer, “externalizando” serviços

públicos, esvaziando os quadros destes trabalhadores e, deste modo, precarizando as relações laborais de

quem coloca tão bonito chão debaixo dos pés de todos.

Por isso, falar da elevação da calçada portuguesa a Património Imaterial da Humanidade tem de comportar

uma dimensão de defesa dos direitos dos trabalhadores que a constroem, para que possa efetivamente ser