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II SÉRIE-A — NÚMERO 11

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violência doméstica e da violência de género», enfatizando que «como expressão máxima deste facto surgem

os alarmantes números de 472 mulheres mortas e mais de 600 tentativas de homicídio em 14 anos».

Ainda assim, os autores do projeto de lei referem também que «este é um crime que não afeta apenas as

mulheres vítimas de violência doméstica», e que «as crianças, sujeitas de forma direta ou indireta às situações

de violência interparental, são, incontestavelmente, vítimas deste flagelo», vivendo «no seio de um ambiente de

terror e violência e são sujeitas a comportamentos que afetam gravemente a sua segurança, o seu equilíbrio

emocional e o seu pleno e harmonioso desenvolvimento». Nesta dimensão, são destacados números que

revelam que nos últimos 14 anos mais de 1000 crianças ficaram órfãs de uma ou de duas figuras parentais.

Por outro lado, invocam ainda os proponentes, o «estudo realizado pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da

Universidade de Coimbra, no âmbito do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa (OPJ) e solicitado pela

Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) com o objetivo de avaliar, quantitativa e

qualitativamente, as decisões proferidos pelo Ministério Público e pelos Tribunais no âmbito do artigo 152º do

Código Penal», em que se concluiu que «a medida de coação mais aplicada pelos Tribunais no âmbito de

processos de violência doméstica é o termo de identidade e residência, desacompanhado de qualquer outra

medida de coação, e que a “aplicação de penas acessórias, especificamente as constantes do artigo 152.º do

Código Penal, é residual», bem como os dados estatísticos que apontam que «cerca de 16% das queixas de

violência doméstica chegam a Tribunal e que destas 70% são arquivadas» e que «dos processos concluídos,

mais de 90% acabam com pena suspensa».

Os proponentes consideram que «esta cultura judicial, que centra o processo na vítima e resiste em procurar

meios de prova alternativos para um crime que decorre no seio de uma relação de dominação, muitas vezes de

dependência económica e em que tantas vezes ainda se mantém a relação de conjugalidade e parentalidade,

revela bem a rigidez judicial e a incapacidade de compreensão e apreensão dos contornos e das especificidades

deste tipo de relações», e que «a percentagem de arquivamentos, a insensibilidade por parte do sistema judicial

no acolhimento da vítima, a insuficiente avaliação da gravidade da violência exercida, a constante

desvalorização da violência psicológica, o esmagador expediente a penas suspensas aplicadas a arguidos com

culpa provada e os argumentos utilizados nas sentenças, de que são prova os acórdãos vindos recentemente a

público, revelam a persistente naturalização e desvalorização da violência doméstica».

Também as decisões dos Tribunais de Família e Menores são criticadas por revelarem «a mesma

incompreensão do que é uma relação marcada pela violência e até dos efeitos que isso tem na vida das

crianças» e em relação às quais «advogados, associações de defesa e proteção das vítimas e as próprias

vítimas referem frequentemente que os magistrados dos Tribunais de Família e Menores recusam qualquer tipo

de articulação com os Tribunais Criminais argumentando que os dois processos são autónomos e que o seu

papel é unicamente o de decidir a regulação das responsabilidades parentais».

No entendimento dos proponentes, «equiparar processos de regulação de responsabilidades parentais no

âmbito de casos de violência doméstica a quaisquer outros decorrentes de casos de divórcio ou separação, é,

mais uma vez, ignorar por completo as especificidades das relações de violência e dominação e sobretudo abrir

a porta à revitimização, incluindo das crianças».

Para os autores desta iniciativa legislativa, a proposta de criação destes «tribunais especializados de

competência mista», tem igualmente «o mérito de responder de forma positiva à interpelação feita pela

Convenção de Istambul», onde, da sua perspetiva «é especialmente relevante o estipulado no artigo 18.º n.º 2

da referida Convenção quando afirma que “as Partes tomarão as medidas legislativas ou outras necessárias

(…) para assegurar a existência de mecanismos apropriados que permitam a cooperação eficaz entre todas as

agências estatais relevantes, nomeadamente as autoridades judiciárias, o Ministério Público, os organismos

responsáveis pela aplicação da lei, as autoridades locais e regionais, assim como as organizações não-

governamentais e outras organizações ou entidades relevantes, para a proteção e o apoio das vítimas e

testemunhas de todas as formas de violência cobertas pelo âmbito de aplicação da presente Convenção (…).»

A escolha dos distritos de Braga e Setúbal para a instalação destes projetos-piloto é justificada pelo facto de

estes serem dois dos cinco distritos com mais ocorrências de violência doméstica, sendo «dos que apresentam

um aumento mais relevante da percentagem destas mesmas ocorrências, e tendo ainda em conta o facto de

apresentarem contextos socioculturais diversos».