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II SÉRIE-A — NÚMERO 122

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legislativas parlamentares, dirigidas à produção de um ato destinado a revestir a forma de lei, nos termos do

artigo 166.º do texto constitucional. Afigura-se, pois, de impossível compatibilização com este propósito o

recurso a um instrumento que desencadeia a produção de atos legislativos para lograr aprovar um conteúdo

que não pode revestir essa forma, por força do referido artigo 166.º, que remete para a forma de resolução

(como desenvolveremos infra) o resultado dos processos de vinculação (ou desvinculação) da República

Portuguesa a uma convenção internacional.

Neste quadro, e na ausência do tratamento específico desta questão nessa sede, duas afirmações

constantes da nota de admissibilidade do projeto de lei sob análise são geradoras de particular dificuldade. Em

primeiro lugar, refere-se que «o objeto da iniciativa enquadra-se na competência legislativa da Assembleia da

República e define, em concreto, o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.» Todavia, e

como se referiu, a matéria objeto da referida iniciativa não visa produzir qualquer alteração em atos legislativos

em vigor ou sequer participar no exercício da função legislativa, mas antes fazer incidir todos os seus efeitos

sobre a cessação de vigência de uma convenção internacional, ato normativo de distinta natureza.

Em segundo lugar, ao referir que «o artigo 3.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, limita quais as matérias

que não podem ser objeto das ILC» e que «o articulado do projeto de lei parece não colocar em causa a

competência reservada do Governo para negociar e ajustar convenções internacionais – alínea b) do n.º 1 do

artigo 197.º da Constituição – caso em que o seu objeto estaria vedado pelo disposto na alínea b) do artigo 3.º

da referida lei» a nota de admissibilidade assume a totalidade das competências do Governo (legislativas e

outras) como padrão de controlo do preceito em causa.É inegável que a alínea b) do artigo 3.º da Lei n.º

17/2003, de 4 de junho, se reporta à proibição de inclusão numa iniciativa legislativa de cidadãos de matérias

da competência legislativa reservada do Governo. Estas, nos termos da Constituição, são apenas as que se

encontram previstas do n.º 2 do artigo 198.º, relativas à sua própria organização e funcionamento (e que não

estão aqui, efetivamente, em causa). Todavia, o problema coloca-se a montante, visto que a competência da

alínea b) do n.º 1 do artigo 197.º não se reporta às competências legislativas do Governo, mas antes às suas

competências políticas. É esta distinção que, neste primeiro ponto da análise jurídica, importa analisar.

b. Exercício da função legislativa e exercício da função política

As disposições constitucionais que elencam o quadro de competências dos órgãos de soberania assentam

em modalidades distintas de apresentação dos vários tipos de competências. No caso do Presidente da

República, a opção do legislador constituinte foi a de arrumar a matéria em torno das competências do

Presidente relativas a outros órgãos (artigo 133.º) das competências para prática de atos próprios (artigo

135.º) e das competências nas relações internacionais (artigo 136.º). No que respeita ao Governo, o texto

constitucional identifica competências políticas (artigo 197.º), competências legislativas (artigo 198.º) e

competências administrativas (artigo 199.º). Finalmente, no que respeita à Assembleia da República, a opção

foi a de elencar competências políticas e legislativas (artigo 161.º), competências de fiscalização (artigo 162.º)

e competências quanto a outros órgãos (artigo 163.º).

O recurso a critérios mistos de identificação das competências, com zonas de sobreposição concetual,

torna a tarefa interpretativa e de classificação doutrinal mais difícil, mas não deixa por isso de oferecer pistas

claras nalguns domínios, que devem considerar-se isentos de dúvidas.

Ora, trata-se precisamente do caso da delimitação de quais são as competências da Assembleia da

República correspondentes ao exercício da função legislativa, a saber, as que resultam das alíneas b) a h) do

já referido artigo 161.º, sendo as demais ou correspondentes ao exercício da função constituinte [a da alínea

a) do artigo 161.º] ou ao exercício da função política3. É precisamente nessa sede que encontramos a matéria

da aprovação de tratados e acordos, que alguma doutrina, não deixando de reconhecer que têm conteúdo

normativo, reconduz irremediavelmente ao exercício da função política e não da função legislativa4, atenta

3 GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA reconduzem apenas as alíneas b) e c) do artigo 161.º ao exercício da função legislativa,

reconduzindo as demais ao exercício de competências políticas da Assembleia. Constituição da República Portuguesa Anotada – Volume II, Coimbra, p. 289. 4 Carlos BLANCO DE MORAIS, O Sistema Político, Coimbra, 2017, pp. 692-693, onde expressamente elenca a aprovação de tratados e

acordos internacionais como atos normativos da função política. Paulo OTERO, em sentido algo distinto, aponta para a existência de competências normativas da Assembleia da República às quais reconduz a aprovação de tratados e acordos, mas que distingue claramente das competências legislativas da Assembleia. Direito Constitucional Português – Volume II – Organização do Poder Político,