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9 DE DEZEMBRO DE 2020

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migrantes oriundas de países onde se pratica a MGF. A implementação destes registos, resultante da realização

de ações de formação e sensibilização destinadas a profissionais de saúde nesta região, não aconteceu noutras

regiões do País, pelo que, à data do relatório, só existiam profissionais de saúde sensibilizados e capacitados

para a introdução de registos de MGF (quer em consulta, quer em internamento) nessa área do País.

Os dados do ano passado a todos nos devem preocupar ainda mais, uma vez que foram registados 129

casos, representando uma subida de 101 por cento em relação aos 64 assinalados em 2018, de acordo

com os dados do projeto «Práticas Saudáveis – Fim à Mutilação Genital Feminina», desenvolvido entre abril e

outubro de 2018 e coordenado pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG).Esta assunção

do risco foi confirmada pelos resultados do primeiro estudo de prevalência desta prática no país, realizado em

2015 pela Universidade Nova de Lisboa – CESNOVA. Os resultados desse estudo apontam para a presença,

em Portugal, de cerca de 5.246 mulheres em idade fértil submetidas à prática, maioritariamente provenientes da

Guiné-Bissau (90% a 91%), mas também de outros países como a Guiné-Conacri (3%) e Senegal (2%).

Embora desde 2015, em cumprimento do disposto na Convenção de Istambul, o crime de mutilação genital

feminina tenha sido autonomizado (artigo 144.º-A do Código Penal[9], cuja pena aplicável é de prisão de dois a

dez anos, aplicável também a atos praticados fora do território português, e esteja prevista a adoção de medidas

que protejam as meninas ou mulheres que estejam em risco de serem levadas para outros países de forma a

serem submetidas à prática da MGF, é necessário que a legislação seja acompanhada de outras medidas, como

um claro investimento na educação e sensibilização de todas as pessoas (e não só nas comunidades

praticantes) e o conhecimento do fenómeno para criar estratégias de combate adequadas, evitando assim que

estas práticas nefastas sejam perpetuadas pelas novas gerações. Exemplo disso, é o facto de que apesar do

crime ter sido autonomizado em 2015, por força da dificuldade de se identificar e provar o crime, só este ano

(em 2020) é que chegou a tribunal o primeiro caso que será julgado de mutilação genital feminina. Conforme foi

divulgado pelos meios de comunicação social, durante uma viagem à Guiné Bissau, uma jovem mãe terá

praticado (ou autorizado) a mutilação genital feminina da sua filha bebé.

A crise sanitária que vivemos, provocada pela COVID-19, trouxe consigo uma crise económica e social sem

precedentes, que traz a debate a regressão de avanços alcançados em matéria de igualdade de género e de

empoderamento de meninas e mulheres, com um provável agravamento desse retrocesso, num futuro próximo,

devido à possibilidade de perante a crise instalada, os países reduzirem os seus investimentos nestas matérias.

O relatório «Against my will: defying the practices that harm women and girls and undermine equality/Contra a

minha vontade: desafiando as práticas que prejudicam mulheres e meninas e impedem a igualdade», elaborado

pela UNFPA (United Nations sexual and reproductive health agency), a agência das Nações Unidas para a

saúde sexual e reprodutiva, alerta para o facto de que, embora ainda não existam dados concretos sobre os

efeitos da pandemia, existe o sério risco dos programas criados para erradicar a mutilação genital feminina e o

casamento infantil terem atrasos na sua execução, até porque pressupõem muitas das vezes o contacto e a

sensibilização das comunidades onde ocorre a MGF. Consequentemente, a vulnerabilidade das meninas está

a aumentar: se houver um atraso de dois anos nos programas de prevenção da mutilação genital feminina na

próxima década acontecerão dois milhões de casos que poderiam ter sido evitados; e se houver um ano de

atraso nas ações para acabar com o casamento infantil podem acontecer mais de sete milhões de casamentos

infantis que poderiam igualmente ser evitados também na próxima década.

Estas práticas são violações dos direitos humanos, que ocorrem com base em «normas sociais que

perpetuam o domínio de homens sobre mulheres, meninos sobre meninas (...) sendo impostas a mulheres e

crianças por membros da família, membros da comunidade ou da sociedade em geral, mesmo sem haver

consentimento».

Assim, nestes termos e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo

Parlamentar do PAN, propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo:

1. Desenvolver uma campanha informativa nacional sobre a MGF, sensibilizando a sociedade para esta

realidade, para a necessidade da sua erradicação e para a denúncia destas situações enquanto crime público;

2. Garantir – em sinergia com as instituições públicas atuantes na matéria, organizações não

governamentais e a academia, a construção de evidência científica sobre as causas, consequências e custos

associados à prática da MGF;