O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

II SÉRIE-A — NÚMERO 100

12

este passou a ter uma expressão massiva, comportando uma alteração em grande escala na organização do

trabalho.

De acordo com dados divulgados pelo INE, no segundo trimestre de 2020, o número de trabalhadores em

teletrabalho atingiu 23%, mais de um milhão de pessoas a trabalhar com recurso a tecnologias de comunicação

e a partir de casa. Isto é, quase um quarto da população empregada. Esta passagem para o teletrabalho, por

imposição da legislação de emergência, revelou as ambivalências associadas a esta forma de trabalho, bem

como as suas consequências em várias dimensões da vida. Pelo modo como aconteceu, tratou-se de uma

resposta em grande medida improvisada, quer nas empresas privadas, quer nas organizações da Administração

Pública.

Vários estudos têm sublinhado os efeitos do teletrabalho no grande confinamento. O relatório do CoLABOR

(Trabalho e Desigualdades no Grande Confinamento), evidenciou as dificuldades na gestão dos tempos, com

os horários efetivamente trabalhados a ultrapassarem o período normal de trabalho, a multiplicação de tarefas

realizadas fora de horas, a sobrecarga das mulheres com crianças a cargo. Outros estudos enfatizaram os

efeitos ao nível do cansaço, aumento de peso, ansiedade, além do aumento da agitação, da irritação e do stress

nas crianças. A ausência de condições físicas, nomeadamente habitacionais, para que os diferentes elementos

da família desenvolvam o seu trabalho a partir de casa é um fator a ter em conta nos riscos acrescidos de tensão

familiar, potenciando situações de conflito e de violência. Por outro lado, muitas empresas aproveitaram o

recurso ao teletrabalho para pouparem custos inerentes ao trabalho, imputando-os aos trabalhadores. Assim,

as despesas com a manutenção dos locais de trabalho, com equipamentos, com eletricidade, água e ligação à

Internet foram transferidas para os trabalhadores, sem que a isso correspondesse, muitas vezes, qualquer

compensação. Não surpreende, pois, que, à transição em larga escala para o teletrabalho, tenha correspondido

um acréscimo de 15% dos custos das famílias com energia, que terão sido entretanto agravados pelo efeito do

aumento dos preços da eletricidade até 7% em janeiro de 2021. O consumo de Internet, também terá sofrido a

um aumento de 60%.

Estas consequências não são uma surpresa, à luz do debate sobre os benefícios e os custos do teletrabalho,

mas foram exponenciadas pelo modo acelerado e repentino como se fez esta transição, pela débil regulação do

teletrabalho (seja em termos de lei geral, seja ao nível das convenções coletivas), pela ausência de fiscalização

sobre o cumprimentos das regras legais e pela acumulação, em muitos casos, entre teletrabalho e cuidado de

filhos menores e de outros dependentes (realidade potenciada pelo modo como foram, até março de 2021,

desenhados os apoios à família para os períodos de suspensão das aulas presenciais).

Em defesa do teletrabalho, é comum serem destacados os efeitos que este pode ter na redução das

despesas de deslocação para a empresa, na possibilidade de um maior equilíbrio territorial e ambiental, ou no

aproveitamento melhor do tempo. Por outro lado, os riscos relativos ao teletrabalho decorrem do isolamento dos

trabalhadores; da perda dos momentos formais e espontâneos de partilha de experiência e conhecimento que

favorecem o desenvolvimento profissional; da diluição das fronteiras entre a vida profissional e a vida familiar e

pessoal; do descontrolo do tempo de trabalho, com a erosão das fronteiras entre tempo de descanso e tempo

para a empresa; das violações potenciais dos direitos de privacidade e do espaço de intimidade do trabalhador,

com mecanismos de controlo e vigilância acrescidos; da transposição dos custos gerais da empresa para os

custos individuais dos trabalhadores; ou da desarticulação de formas de representação coletiva e de

socialização dos trabalhadores. No caso das mulheres, particularmente, o controlo sobre o tempo pode ser

bastante exíguo, dados os constrangimentos familiares e domésticos que conduzem à «invasão» do tempo

noturno pelo trabalho, para aproveitar o sono das crianças, com o desgaste da vida pessoal daí resultantes.

A difusão do teletrabalho veio confrontar-nos com a necessidade de novas respostas para algumas das

questões fundadoras do próprio direito do trabalho. Uma das mais importantes é, sem dúvida, a do tempo de

trabalho, cuja limitação está na origem do movimento operário e se encontra consagrada, por exemplo, na

primeira Convenção da Organização Internacional do Trabalho, de 1919, que limitava o tempo de trabalho para

as 8 horas diárias e as 48 horas por semana, na indústria. Ao diluir as fronteiras tradicionais entre a vida

profissional e a vida pessoal, entre o espaço da empresa e o espaço privado, o teletrabalho faz com que a

prestação do trabalho como que «acompanhe» o trabalhador onde quer que ele esteja, potenciando a ideia de

uma conexão permanente, de uma escravização pela hiperdisponibilidade para responder às solicitações do

empregador mesmo, eventualmente, no seu tempo de repouso. Ora, a garantia da limitação do tempo de

trabalho é uma questão imperiosa. No debate sobre a delimitação da exploração, sobre a segurança e saúde

no trabalho, sobre a sinistralidade laboral ou sobre a partilha de emprego, a fixação de um limite máximo da