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II SÉRIE-A — NÚMERO 160

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prevenção da doença, monitorização e vigilância epidemiológica. É talvez a área que melhor integra o paradigma

da saúde em todas as políticas, que promove e protege a saúde da população intervindo no meio em que esta

vive e nos determinantes de saúde. É também a área que se mantém em permanente estado de alerta e

prontidão, monitorizando o aparecimento e intervindo em casos de surtos, epidemias e outras situações de risco

para a saúde pública.

Apesar da importância da saúde pública ela foi muitas vezes tratada como secundária. As suas equipas são

curtas e têm tido pouco rejuvenescimento e os recursos financeiros são diminutos e impeditivos de mais ação

no terreno.

A atual legislação estabelece os seguintes rácios: a) um médico com o grau de especialista em saúde pública

por cada 25 000 habitantes; b) um enfermeiro por cada 30 000 habitantes; c) um técnico de saúde ambiental por

cada 15 000 habitantes. Acontece que estes valores estão, por um lado, por cumprir; por outro lado, a necessitar

de atualização se quisermos ter um efetivo dispositivo de saúde pública capaz de corresponder a todas as

competências e exigências que lhes são atribuídas por lei. Seguindo estes rácios, e tendo em conta que a

população residente em Portugal em 2020 era, segundo o INE, de 10 298 252 habitantes, Portugal deveria ter,

grosso modo, 412 médicos especialistas em saúde pública, 343 enfermeiros especialistas nesta área, assim

como 687 técnicos de saúde ambiental. Os profissionais realmente existentes têm ficado muito aquém destes

rácios. O relatório da Comissão para a Reforma da Saúde Pública, publicado em 2017, assinalava a carência

de 132 médicos, 182 enfermeiros e 293 técnicos de saúde ambiental. No final de 2019 os números de

profissionais rondavam os 307 médicos, 234 enfermeiros e 363 técnicos de saúde ambiental; ainda muito longe

dos rácios preconizados em lei. Já durante 2021, o Governo anunciou a contratação de 110 enfermeiros e 110

técnicos de saúde ambiental, o que continua a ser largamente insuficiente para cumprimento dos rácios legais.

Acresce outro problema: o facto de os rácios estarem desatualizados e não servirem para o desenvolvimento

de uma resposta robusta em saúde pública. Isso mesmo é dito num relatório entregue à Ministra da Saúde, em

dezembro de 2020, pela Comissão para a Elaboração da Proposta de Reforma de Saúde Pública e sua

Implementação: «os rácios preconizados, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 137/2013, de 7 de outubro, para as

unidades de saúde pública, são manifestamente insuficientes para a vigilância epidemiológica e para a resposta

a ameaças de âmbito populacional – o que foi manifesto no decurso da presente pandemia pelo SARS-CoV-2».

Para além da necessidade de mais profissionais nas unidades de saúde pública é preciso também a sua

diversificação técnica e científica. De facto, à saúde pública é acometida uma série de responsabilidades e

competências que exigem a incorporação mais profissionais de outras áreas, desde a estatística à

epidemiologia, passando pelas ciências sociais e comportamentais, entre outras.

De facto, e como já se disse, o investimento de Portugal em saúde pública é diminuto, o que se reflete em

necessidades não cumpridas. A este respeito, o Conselho Nacional de Saúde dizia, no relatório de 2017 sobre

os fluxos financeiros do SNS, que os cuidados preventivos representavam apenas 1% da despesa corrente do

SNS. Já em 2019, a OMS referia Portugal como um país que pouco investia em saúde pública, apenas 0,2% do

PIB.

Percebendo a caracterização da situação, não é de admirar que durante a pandemia tenha havido

dificuldades na testagem, no rastreio de contatos e na realização de inquéritos epidemiológicos, como houve

dificuldades em estudar e identificar os determinantes onde seria necessário intervir para prevenir novos

contágios ou de intervir de forma mais próxima da população. Aos profissionais não se poderia nem pode exigir

mais. Eles têm dado tudo o que podem. O problema é faltarem muitos recursos.

Outras situações são menos compreensíveis. Por exemplo, o facto de o Governo ter convocado muito poucas

vezes e com intervalo de meses o Conselho Nacional de Saúde Pública durante a mais grave crise de saúde

pública do último século. Acresce a isto o facto de durante mais de um ano de pandemia não ter ativado a

Comissão Coordenadora da Vigilância Epidemiológica e a Comissão Coordenadora de Emergência, dispositivos

previstos em lei e que apoiariam tecnicamente o Conselho Nacional de Saúde Pública. Como é dito no último

relatório do Observatório Português dos Sistemas de Saúde, «Precisamos de uma governação mais sensível

ao conhecimento – um processo de aconselhamento científico contínuo, transparente e independente dos

poderes, capaz de fazer uma síntese do estado da arte e vertê-la em propostas de ação, comunicadas ao

conjunto da comunidade».

Também não é compreensível que desde março de 2020 até hoje e com uma experiência acumulada a lidar

com várias vagas da pandemia, não se tenha procedido a uma verdadeira planificação e reforço da saúde