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1 DE SETEMBRO DE 2021

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fundamental». Os crimes de ódio são, portanto, definidos como «crimes de identidade», uma vez que visam um

aspecto da identidade do alvo, seja ele imutável (etnia, deficiência, orientação sexual, género, etc.) ou

fundamental (religião, hábitos culturais, etc.)

O projeto COMBAT – O combate ao racismo em Portugal: uma análise de políticas públicas e legislação,

levado a cabo de junho de 2016 a abril de 2020, propôs-se a «colmatar um vazio que persiste ao analisar o

racismo em Portugal: o papel da legislação no combate à discriminação racial» e colocando «(…) no centro do

debate a relação entre Estado, direito e sociedade questionando, assim, os limites e possibilidades das noções

de «igualdade de tratamento», de «discriminação» e de «ódio racial» que têm sido mobilizadas na

implementação da legislação e as suas consequências para uma compreensão (ou silenciamento) do contexto

histórico e da dimensão institucionalizada do racismo em Portugal».3

Nesse sentido, a análise levada a cabo pelo supracitado instrumento de investigação incide, entre outras

realidades, sobre a forma como é criminalizada a discriminação racial, no nosso ordenamento jurídico, e opta

por delinear as fraquezas e insuficiências do Código Penal quanto ao tratamento da discriminação e do discurso

de ódio. Verdadeiramente, a discriminação é criminalizada, de forma explícita, em três preceitos do Código

Penal: no artigo 240.º e, por qualificação, na alínea f) do n.º 2 do artigo 132.º e no n.º 2 do artigo 145.º. O projeto

clarifica que «a qualificação do crime por motivação de 'ódio racial' ou 'gerado pela cor, origem étnica ou nacional'

está prevista para os crimes de homicídio e ofensa à integridade física. Esta qualificação atende a um tipo de

culpa que revelaria especial perversidade ou censurabilidade, dependendo da ponderação das circunstâncias

nas quais os factos tiveram lugar assim como da atitude do agente nelas expressa».

Concretamente, quanto aos crimes de difamação e injuria, esclarece-se que estes «não estão sujeitos a esta

qualificação [por motivo de 'ódio racial']; a injúria racial não está especificamente qualificada no Código Penal

português, como acontece noutros ordenamentos jurídicos, nomeadamente, o brasileiro – cfr. n.º 3 do artigo

140.º do Código Penal brasileiro; em 2018, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a imprescritibilidade do

crime de injúria racial».

Esta lacuna legislativa insere-se, sistematicamente, numa sociedade que nega a experiência quotidiana de

racismo e teima, frequentemente, em qualificar esta forma de violência, inerente à ordem social e cultural, como

uma manifestação de uma «opinião», de uma atitude interna sem sequelas na vida das suas vítimas. Mas a

realidade nacional revela, precisamente, uma proliferação preocupante do discurso de ódio e da discriminação.

De acordo com a European Social Survey4, 52,9% dos portugueses (em comparação com a média Europeia de

29,2%) considera que há raças ou grupo étnicos que nasceram menos inteligentes e/ou menos trabalhadores

que outros e 54,1% mantém a crença de que há culturas melhores que outras5. Cerca de 62% dos portugueses

manifestam alguma forma de racismo6. Paralelamente, a Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade,

Rosa Monteiro, afirmou, recentemente, que as queixas por discriminação racial apresentadas na Comissão para

a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) aumentaram 50% em 2020, em comparação com o ano

de 2019. Em 2020, foram apresentadas na CICDR um total de 655 queixas por práticas discriminatórias «em

razão da origem racial e étnica, cor, nacionalidade, ascendência e território de origem». A Secretária de Estado

afirmou ainda que estes números «continuam a não ser representativos» e que são «conhecidas as baixas taxas

de denúncias»7.

Verdadeiramente, na legislação portuguesa, o crime de injúria racial só́ pode ser considerado segundo o

disposto no artigo 240.º do Código Penal, que tem como epígrafe «Discriminação e incitamento ao ódio e à

violência». No seu corpo, pode ler-se:

«1 – Quem:

a) Fundar ou constituir organização ou desenvolver atividades de propaganda organizada que incitem à

discriminação, ao ódio ou à violência contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem

étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou

3 Silvia Rodríguez Maeso (coord.), Ana Rita Alves, Sara Fernandes e Inês Oliveira, Caderno de apresentação de resultados do projeto COMBAT – «Direito, estado e sociedade: uma análise da legislação de combate ao racismo em Portugal», junho de 2020, p. 2. 4 Os resultados deste inquérito foram reproduzidos em relatório da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI) do Conselho da Europa, que pode ser acedido em: European Web Site on Integration – European Commission (europa.eu) 5 Em: European Social Survey: 62% dos portugueses manifestam racismo | Racismo | PÚBLICO (publico.pt). 6 Em: Expresso | Estudo revela que 62% dos portugueses manifestam alguma forma de racismo. 7 Em Queixas por discriminação racial aumentaram 50% em 2020 – Observador.