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1 DE SETEMBRO DE 2021

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tem vontade que decorra o processo criminal (através da apresentação de queixa), mas também constituir-se

como assistente e deduzir acusação particular (cfr. artigo 50.º do Código de Processo Penal), atos que são

particularmente onerosos para o ofendido/a, pois implicam o pagamento de taxa de justiça e a constituição de

advogado, que (pese embora se consagre o acesso adequado à justiça como um direito fundamental e

considerando a possibilidade, ainda que limitada, de receber apoio judiciário do Estado) pressupõem um suporte

material e uma suficiente estabilidade económico-financeira, bem como disponibilidade emocional para

acompanhar e contribuir, enquanto assistente, no âmbito de um processo penal.

Assim, este projeto pressupõe, adicionalmente, a transformação dos crimes de injúria e difamação em crimes

semipúblicos, quando os factos que se reconduzem ao ilícito criminal tiverem sido praticados com uma

motivação discriminatória, uma vez que, nestas situações, o desvalor das condutas é particularmente

indiscutível, e, estando em causa não apenas um bem jurídico – a honra da vítima, – mas também a vida, a

dignidade, a integridade pessoal (física e moral) e a Igualdade entre todas as cidadãos e todos os cidadãos,

independentemente da sua raça, etnia, nacionalidade, cor, religião, sexo, orientação sexual, identidade de

género, deficiência física ou psíquica, entre outras características diferenciadoras, justifica-se uma mais ampla

e vigorosa abordagem criminal que, efetivamente, proteja as vítimas destas formas arbitrárias de discriminação

e assegure o cumprimento dos fins do Direito Penal, concretamente de prevenção geral e de prevenção especial.

Por fim, importa realçar que a alteração ao artigo 240.º do Código Penal, introduzida pela Lei n.º 94/2017, de

23 de agosto, procedeu, novamente, à alteração do texto originário desta norma, promovendo um alargamento

dos preconceitos determinantes de ódio e acrescentando ao elenco a «deficiência física ou psíquica». Como

aponta a Associação de Apoio à Vítima (APAV)19, esta alteração «veio criar um desfasamento entre os motivos

determinantes do ódio nesta norma e aqueles que constam do artigo 132.º, n.º 2, da alínea f), do Código Penal»,

na qual se refere apenas à determinação do agente «por ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor, origem

étnica ou nacional, pelo sexo, pela orientação sexual ou pela identidade de género da vítima». Esta

desconformidade entre as duas normas é particularmente relevante quando se tem em conta a remissão levada

a cabo pela alínea e) do artigo 155.º, n.º 1, do Código Penal para a alínea f) do n.º 2 do artigo 132.º do mesmo

diploma.

Estas alterações, embora insuficientes, poderão assinalar um compromisso efetivo do legislador em

desmantelar a institucionalização do racismo na sociedade portuguesa e garantir o cumprimento do Plano de

Ação da União Europeia contra o Racismo 2020-202520, que é inequívoco ao estatuir que «embora a luta contra

o racismo exija uma intervenção firme numa multiplicidade de domínios, a proteção oferecida pela lei é crucial.

Um sistema abrangente de proteção contra a discriminação requer, antes de mais, uma aplicação eficaz do

quadro jurídico, a fim de garantir o respeito na prática dos direitos e obrigações individuais. Implica também

assegurar que não há lacunas nesta proteção».

Se a lei, e em concreto a legislação penal, as instituições e os serviços públicos teimam em negar a

naturalização do racismo na sociedade portuguesa, o Estado falhou. Se a lei contribui, de forma ativa ou passiva,

para a opressão de minorias étnico-raciais, da comunidade LGBTQI+, das mulheres, das minorias religiosas,

das pessoas portadoras de deficiência, através da negação, do condicionamento ou do esquartejar das suas

liberdades individuais, o Estado falhou. Se os mecanismos jurídicos que as populações mais vulneráveis têm à

sua disposição para proteger a sua dignidade humana, exercer os seus direitos fundamentais em condições de

igualdade e salvaguardar a sua honra e a sua integridade pessoal são ineficazes, não operam adequadamente,

causam ceticismo, desconfiança ou frustração nas pessoas que devem proteger ou dependem de um

investimento material excessivo para serem desencadeados, o Estado falhou. Para que a lei seja um instrumento

de Luta contra qualquer forma de repressão, de assédio, de discriminação ou de ódio, ela deve ser repensada,

reimaginada e rescrita, de forma a que ilustre, verdadeiramente, os desafios coletivos que enfrentamos, na

nossa sociedade contemporânea, e reforce o imperativo constitucional de edificar uma sociedade livre, justa e

solidária.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, a Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira

apresenta o seguinte projeto de lei:

19 Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, Manual ÓDIO NUNCA MAIS – Apoio a vítimas de crime de ódio, 2018. Disponível em: Projeto ÓDIO NUNCA MAIS – formação e sensibilização no combate aos crimes de ódio e discurso de ódio (apav.pt). 20 Acessível em: A Union of Equality: EU anti-racism action plan 2020–2025 | Comissão Europeia (europa.eu).