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II SÉRIE-A — NÚMERO 189

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PROJETO DE LEI N.º 922/XIV/2.ª (*)

ALTERA O CÓDIGO PENAL, REFORÇANDO O COMBATE À DISCRIMINAÇÃO E AOS CRIMES DE

ÓDIO

Exposição de motivos

No dia 28 de junho de 2021, o coletivo de juízes do Tribunal de Loures condenou Evaristo Marinho a 22 anos

e 9 meses de prisão efetiva por posse ilegal de arma e pelo homicídio do ator Bruno Candé, dando como provada

a motivação de ódio racial [cfr. a alínea f) do n.º 2 do artigo 132.º]. No acórdão, ficou estabelecido que «não

restam dúvidas (…) que a raça do ofendido se encontra no fulcro da motivação do comportamento adotado pelo

arguido», e que se verificou «uma maturação do plano criminoso refletida e uma execução calculada e insensível

do crime». Nesta decisão paradigmática, o Tribunal considerou que foi «dada como provada a adoção, por parte

do arguido, de um discurso dirigido ao ofendido assente em juízos discriminatórios» através do uso de

expressões como «preto de merda, vai para a tua terra», «a tua mãe devia estar numa senzala e devias também

lá estar», «anda cá que levas com a bengala! Preto de merda! Eu mato-te!», tendo-se concluído, portanto, que

o arguido agiu determinado, «pela cor e origem étnica de Bruno Candé Marques, pois que na discussão mantida

no dia 22 de julho de 2020, à qual se seguiu a formulação do propósito de o matar, a ele dirigiu as diversas

expressões que acima se mostram descritas, nas quais a tal, em concreto à cor da sua pele, expressamente se

referiu».

Os comportamentos motivados pelo ódio e pela discriminação, pese embora não sejam legalmente tipificados

como condutas criminosas no ordenamento jurídico português, são uma realidade frequente na nossa sociedade

contemporânea. Segundo o Barómetro APAV-INTERCAMPUS sobre Discriminação e Crimes de Ódio (2019)1,

97% dos inquiridos conhece ou já ouviu falar dos conceitos de discriminação, crime de ódio ou violência

discriminatória e 35% afirmou já ter sido vítima ou conhecer alguém que já foi vítima de discriminação, crime de

ódio ou violência discriminatória.

A OSCE (Organisation for Security and Cooperation in Europe) define crime de ódio «como qualquer ato

criminoso, nomeadamente contra pessoas ou bens, no qual as vítimas ou o alvo do crime são selecionados em

razão da sua ligação (real ou percepcionada), laços, afiliação, apoio ou associação reais ou supostas a um

determinado grupo»2. Assim, para que possamos afirmar que nos encontramos perante um crime de ódio, a

infração deverá dizer respeito a um crime à luz do ordenamento jurídico do país onde este ocorreu e o autor/a

terá agido motivado/a por/com base em determinados preconceitos, isto é, o/a agente selecionou

intencionalmente a vítima devido a uma sua característica pessoal que a associa a um grupo social diferente da

do autor (habitualmente com menos poder e em menor número na sociedade de que fazem parte). A sua

instituição integrante, ODHIR (Office for Democratic Institutions and Human Rights) define motivação

preconceituosa como sendo «qualquer ideia pré-concebida negativa, assunções preconceituosas, intolerância

ou ódio dirigidas a um grupo específico que partilha uma característica comum, como seja a raça, a etnia, a

língua, a religião, a nacionalidade, o género, a orientação sexual, ou qualquer outra característica fundamental».

Os crimes de ódio são, portanto, definidos como «crimes de identidade», uma vez que visam um aspeto da

identidade do alvo, seja ele imutável (etnia, deficiência, orientação sexual, género, etc.) ou fundamental (religião,

hábitos culturais, etc.).

O projeto COMBAT – O combate ao racismo em Portugal: uma análise de políticas públicas e

legislação, levado a cabo de junho de 2016 a abril de 2020, propôs-se a «colmatar um vazio que persiste ao

analisar o racismo em Portugal: o papel da legislação no combate à discriminação racial» e colocando «(…) no

centro do debate a relação entre Estado, direito e sociedade questionando, assim, os limites e possibilidades

das noções de ‘igualdade de tratamento’, de ‘discriminação’ e de ‘ódio racial’ que têm sido mobilizadas na

implementação da legislação e as suas consequências para uma compreensão (ou silenciamento) do contexto

histórico e da dimensão institucionalizada do racismo em Portugal».3

1 Pode ser acedido em: https://apav.pt/apav_v3/images/pdf/Barometro_APAV_Intercampus_DCO_2019.pdf. 2 Em Hate Crimes in the OSCE Region: Incidents and Responses – Annual Report for 2006 | OSCE. 3 Silvia Rodríguez Maeso (coord.), Ana Rita Alves, Sara Fernandes e Inês Oliveira, Caderno de apresentação de resultados do projeto COMBAT – «Direito, estado e sociedade: uma análise da legislação de combate ao racismo em Portugal», junho de 2020, p. 2.