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3 DE SETEMBRO DE 2021

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força de segurança, os seis cidadãos negros foram torturados, agredidos, humilhados e injuriados por

todos os 18 agentes da PSP da Esquadra de Investigação e Fiscalização Policial (EIFP) de Alfragide, que

agiram «por sentimento de ódio racial, de forma desumana, cruel e pelo prazer de causarem sofrimento»

às vítimas13. Mas, ainda assim, o Ministério Público acabou por deixar cair as acusações de tortura e

discriminação racial da sua acusação. Para além disso, a decisão de condenação dos agentes desta força de

segurança não revela que foi tida em conta a motivação de ódio e/ou preconceito no cometimento dos crimes.

Isto porque no ordenamento jurídico português a previsão de circunstâncias agravantes por motivação de ódio

(entre outros, racial) ou preconceito não existe, em termos amplos.

Nesta decisão do Tribunal Coletivo do Juízo Central Criminal de Sintra verificamos, então, uma evidente

contradição. Foram dados como provados factos como os seguintes, reproduzidos no próprio acórdão:

«Também nesta ocasião, um agente não identificado dirigiu-se por diversas vezes aos ofendidos nos

seguintes nestes termos: ‘Pretos do caralho, deviam morrer todos!’.»

«Agentes não identificados desferiram bastonadas, socos e pontapés nos ofendidos, ao mesmo tempo que

proferiam as seguintes expressões: ‘Vá, pró caralho! O que é que vocês querem, pretos do caralho? Aqui não

vão entrar!’, ‘Filhos da puta, cabrões de merda, o que é que vieram fazer aqui?’.»

«Quanto ao arguido H. […], dirigiu-se pelo menos ao ofendido R. […], nestes termos: ‘pretos do caralho, vão

para a vossa terra!’.»

Ora, os factos relatados neste excerto podem ser subsumidos ao crime de injúria, cometido através da

reprodução de declarações em que os arguidos fazem referência à percebida origem étnico-racial das vítimas.

No entanto, e como bem refere, em parecer datado de julho de 2020, a Associação Portuguesa de Apoio à

Vítima (APAV)14, «Apesar da condenação, esta decisão judicial reflete alguma insensibilidade dos

magistrados – que não é incomum no sistema como um todo – relativamente a crimes cometidos com motivação

‘racial’, mas também evidentes falhas legislativas que não permitem ao juiz o reconhecimento dessa

motivação em diversos tipos de ilícitos. Essa combinação de fatores acabou por ‘apagar’ da condenação

as matizes racistas (nesse caso específico a afrofobia) do episódio de violência policial dirigido contra

jovens negros».

Segundo o relatório da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI) do Conselho da Europa,

publicado a 2 de outubro de 201815, conclui que as normas contidas na alínea f) do n.º 2 do artigo 132.º e no n.º

2 do artigo 145.º do Código Penal “preveem um agravamento da pena para o homicídio e ofensas corporais por

motivos baseados na raça, religião, cor, origem étnica ou nacionalidade, género ou orientação sexual. Contudo,

não existe uma regra geral estipulando que um motivo racista constitui uma circunstância agravante (…). O

artigo 71.º n.º 2 alínea c) do Código Penal, por sua vez, dispõe somente que o juiz «deve considerar os

sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram». A Associação

Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), em parecer datado de fevereiro de 202016, indicou, precisamente, como

lacuna legislativa «o caso dos crimes de difamação e injúria (artigos 180.º e 181.º do Código Penal), para os

quais o ordenamento jurídico português não prevê um agravamento da pena no caso de serem praticados com

motivação discriminatória, seja por via de um tipo penal qualificado ou de uma agravante específica. Há que

relembrar ainda que é sempre possível o reconhecimento da motivação por via da aplicação do artigo 71.º do

Código Penal (agravante geral), mas que esse caminho raramente é adotado pelo juiz no momento da aplicação

da pena». Nesse sentido, oferece variadas recomendações, particularmente no que respeita à criação de tipos

penais qualificados para os crimes que mais comumente são cometidos por motivo discriminatório, enumerando,

por exemplo, a violação, as ofensas à integridade física simples, a ameaça, a difamação, a injúria e o dano, ou

a transformação da natureza dos crimes de injúria e difamação quando qualificados por motivação

discriminatória (de particulares para semipúblicos), entre outras.

Procedendo uma análise comparada dos ordenamentos jurídicos europeus, é possível concluir-se no sentido

13 Este excerto da acusação pode ser acedido em: Sentença histórica. Oito agentes da PSP condenados por agressões, injúrias e sequestro (dn.pt). 14 O parecer da APAV pode ser lido em: https://apav.pt/apav_v3/images/pdf/Posicao_APAV_sobre_reconhecimento_motivacao_crimes_odio.pdf. 15 Pode ser acedido em: https://rm.coe.int/fifth-report-on-portugal-portuguese-translation-/16808de7db. 16 O posicionamento público da APAV pode ser lido em: https://apav.pt/apav_v3/images/pdf/Recomendacoes_Politicas_Publicas_Crimes_de_Odio_Fev_2020.pdf.