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II SÉRIE-A — NÚMERO 189

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de existir uma clara preferência generalizada pela via da não autonomização dos crimes de ódio na legislação

penal. Pelo contrário, vários ordenamentos jurídicos optam pela agravação de todas as ofensas criminais

motivadas por ódio e discriminação. É o caso do Código Penal da Suécia que, na secção 2(7) do capítulo 29

(no capítulo que se relaciona com a determinação das penas) estatui o seguinte: «Na valoração penal, as

seguintes circunstâncias agravantes devem ser especialmente consideradas para além do que é aplicável para

cada tipo de crime (…) se o motivo para o crime for agredir uma pessoa ou um grupo de pessoas em razão da

sua raça, cor, origem étnica ou nacional, crenças religiosas, orientação sexual, identidade ou expressão de

género ou outras circunstâncias agravantes». Em Itália, o legislador italiano aprovou, em 1993, o principal

diploma que se debruça sobre o combate ao ódio, o Ato n.º 205/1993, alterado pelo Ato n.º 85/2006 (Mancino

Act). O artigo 3.º deste instrumento legislativo considera o ódio como uma circunstância agravante no

cometimento de outros crimes, decretando o aumento da medida da pena do crime em casa para até metade.

Na Áustria, o quinto subparágrafo do primeiro parágrafo da secção 33 do Código Penal consagra o motivo

discriminatório por detrás de qualquer conduta que constitua crime como uma circunstância agravante da

infração, suscetível de aumentar a medida da pena que será aplicável ao autor do crime no momento da

condenação.O mesmo se verifica em relação a Malta que, no artigo 83.º-B do seu Código Penal, considera o

ódio como uma circunstância agravante da moldura penal de todas as infrações criminais17, Dinamarca (secção

81 n.º 6 do Código Penal), Finlândia (secção 5 do 6.º capítulo do Código Penal), França (artigo 132.º-76 do

Código Penal) e Espanha (4.º parágrafo do artigo 22.º do Código Penal).

Há também alguns países que optam por um caminho distinto, mas cujo resultado acaba por ser coincidente.

A título ilustrativo, Bélgica, Bulgária, Luxemburgo, Eslováquia e Eslovénia adotam disposições diversas que

consagram agravamentos para tipos de crime específicos que tenham sido praticados com motivação de ódio

ou preconceito18.

Afirmamos, com regularidade, que «racismo não é opinião, é crime», «homofobia não é opinião, é

crime», «transfobia não é opinião, é crime»… Mas estas declarações são apenas parcialmente verdadeiras.

Condutas racistas, homofóbicas ou transfóbicas, por exemplo, serão apenas crimes, na lei penal portuguesa, se

se verificar o cumprimento de apertados requisitos. Se determinado indivíduo difamar ou injuriar pessoa ou grupo

de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação

sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica em público, por meio apto à divulgação, a sua

conduta poderá ser reconduzida ao n.º 2 do artigo 240.º do Código Penal. No entanto, se determinado indivíduo

difamar ou injuriar pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional,

ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica num

contexto privado, ou, mesmo tendo a interação ocorrido em público, tenha lugar em meio não apto à divulgação,

a vítima apenas poderá fazer-se valer da proteção conferida pelo crime de injúria, que não prevê qualquer

agravação das penas quando cometida com motivação de ódio ou preconceito.

Mais, os crimes de difamação e injúria constituem crimes particulares. Ora, a natureza deste tipo criminal

implica que a legitimidade do Ministério Público quanto à prossecução da investigação penal é particularmente

limitada, pois o/a ofendido/a deverá, por um lado, manifestar, clara e expressamente, que tem vontade que

decorra o processo criminal (através da apresentação de queixa), mas também constituir-se como assistente e

deduzir acusação particular (cfr. artigo 50.º do Código de Processo Penal), atos que são particularmente

onerosos para o ofendido/a, pois implicam o pagamento de taxa de justiça e a constituição de advogado, que

(pese embora se consagre o acesso adequado à justiça como um direito fundamental e considerando a

possibilidade, ainda que limitada, de receber apoio judiciário do Estado) pressupõem um suporte material e uma

suficiente estabilidade económico-financeira, bem como disponibilidade emocional para acompanhar e

contribuir, enquanto assistente, no âmbito de um processo penal.

Assim, este projeto pressupõe, adicionalmente, a transformação dos crimes de injúria e difamação em

crimes semipúblicos, quando os factos que se reconduzem ao ilícito criminal tiverem sido praticados

com uma motivação discriminatória, uma vez que, nestas situações, o desvalor das condutas é

particularmente indiscutível, e, estando em causa não apenas um bem jurídico – a honra da vítima, – mas

17 Artigo 83.º-B do Código Penal de Malta: «The punishment established for any offense shall be increased by one to two degrees when the offense is aggravated, wholly or in part, by hatred against a person or a group on the grounds of gender, gender identity, sexual orientation, race, colour, language, national or ethnic origin, citizenship, religion or belief or other opinion (…)».18 Esta análise comparativa foi extraída de: Hate crime recording and data collection practice across the EU | European Union Agency for Fundamental Rights (europa.eu).