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3 DE SETEMBRO DE 2021

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O Tribunal Constitucional adotou parte desta argumentação, concluindo pela inconstitucionalidade das

supracitadas normas pela violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República

Portuguesa, que estabelece a reserva de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de

direitos, liberdades e garantias. Citando o Tribunal Constitucional, a Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, «tem por

objeto único o regime do exercício de determinados direitos fundamentais com essa natureza; regula uma

matéria nova que tem provocado debate público — o exercício desses direitos por crianças e jovens nos

estabelecimentos de ensino; reenvia para simples despacho ministerial a sua regulamentação; e as soluções

que se impõem nesse domínio, como revela o conteúdo do despacho [n.º 7247/2019, de 16 de agosto], têm um

âmbito geral e uma vocação de permanência perfeitamente compagináveis com a sua inclusão numa lei. Neste

contexto, é muito elevado o nível de exigência quanto à extensão da regulação legal e muito estreito o espaço

que pode ser reenviado ao poder regulamentar (…)».

Torna-se relevante destacar que, e não emitindo aqui um juízo de opinião sobre os fundamentos que estão

por trás da decisão proferida, a decisão que consta no acórdão redigido pelo Tribunal Constitucional na

sequência do pedido de fiscalização abstrata sucessiva da inconstitucionalidade das normas do artigo 12.º da

referida lei, por incidir sobre um aspeto meramente formal ou processual de um diploma legal, não implica a

inconstitucionalidade deste diploma, como um todo, e não coloca em causa a garantia do direito à identidade de

género e de expressão de género, nem questiona a proibição da discriminação nos estabelecimentos de ensino,

como é ademais destacado na carta aberta6 redigida por um conjunto de associações e coletivos da sociedade

civil, bem como subscritores individuais, e dirigida aos Deputados da Assembleia da República sobre a urgência

de iniciar o processo legislativo dos n.os 1 e 3 do artigo 12.º da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, e avançada na

sequência do supracitado acórdão do Tribunal Constitucional. Esta carta expressa um apelo: «as pessoas trans,

não-binárias, intersexo e em questionamento já se sentem demasiado vulneráveis para que a tranquilidade,

proteção e segurança em ambiente escolar, e ao longo do processo educativo, que lhes foram asseguradas por

via legislativa, não sejam imediatamente concretizadas, de acordo com as respectivas expectativas. As

comunidades educativas já fizeram um enorme esforço de adaptação e preparação para implementar as

medidas preconizadas que se destinam, tão-somente, a reduzir e, desejavelmente, acabar com a discriminação

em ambiente escolar e preparar as pessoas discentes para a diversidade e a inclusão».

De igual forma, a Estratégia para a igualdade de tratamento das pessoas LGBTIQ 2020-20257 da União

Europeia reconhece que «A discriminação contra as pessoas LGBTIQ [lésbicas, gays, bissexuais, transgénero,

não binárias, intersexuais e queer] persiste em toda a UE. Para muitas, ainda não é seguro, na UE,

demonstrarem afeto em público, assumirem a sua orientação sexual, identidade de género, expressão de género

e características sexuais (em casa ou no trabalho), ou seja, serem simplesmente elas próprias sem se sentirem

ameaçadas. Um número significativo de pessoas LGBTIQ encontra-se também em risco de pobreza e exclusão

social. Nem todas se sentem seguras para denunciar agressões verbais e violência física à polícia» e determina

que é necessário «dar voz às pessoas LGBTIQ e congregar os Estados-Membros e intervenientes a todos os

níveis num esforço comum para combater eficazmente a discriminação contra as pessoas LGBTIQ».

O discurso da Presidente da Comissão Europeia no debate sobre o Estado da União, a 16 de setembro de

2020, fortalece, sobretudo, este imperativo de Igualdade e Não-Discriminação. Ursula von der Leyen afirmou:

«Não pouparei esforços na construção de uma União de igualdade. Uma União onde podemos ser quem somos

e amar quem quisermos – sem medo de recriminações ou discriminações. Porque ser o que somos não é uma

questão de ideologia. É a nossa identidade. E ninguém pode privar-nos dela». Assim, o Estado português tem

como responsabilidade primordial assegurar a efetividade deste plano de ação, através da criação das

condições necessárias para que crianças e jovens lésbicas, gays, bissexuais, trans, intersexo e com outras

identidades não normativas (LGBTQI+) beneficiem do acesso a oportunidades e direitos em condições de

igualdade e de uma eficaz proteção legal face à repressão, assédio e preconceito.

Mais ainda, é importante referir que se tem verificado, a nível nacional, uma tendência crescente no número

de denúncias de discriminação e violência contra pessoas em função da sua orientação sexual, identidade ou

expressão de género e características sexuais. Em junho de 2020, a ILGA Portugal divulgou os dados recolhidos

pelo Observatório da Discriminação Contra Pessoas LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, trans, intersexo e

outras identidades) em 2019. O relatório adiantou que, neste ano, verificou-se uma subida de 4% nas denúncias

6 Carta aberta pede urgência na regulação da autodeterminação da identidade de género. 7 Em: EUR-Lex – 52020DC0698 – EN – EUR-Lex (europa.eu).