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29 DE MARÇO DE 2022

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que «os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua

natureza» (vide artigo 201.º-B do Código Civil).

Reconheceu igualmente o legislador, que o direito de propriedade deve assegurar ao animal «o seu bem-

estar e respeitar as características de cada espécie e observar, no exercício dos seus direitos, as disposições

especiais relativas à criação, reprodução, detenção e proteção dos animais e à salvaguarda de espécies em

risco, sempre que exigíveis» (n.º 1 do artigo 1305.º-A do Código Civil).

Dispõe o n.º 2 do artigo 1305.º-A do Código Civil que assegurar o bem-estar animal deve compreender

«garantia de acesso a água e alimentação de acordo com as necessidades da espécie em questão»[alínea a)]

bem como «a garantia de acesso a cuidados médico-veterinários sempre que justificado, incluindo as medidas

profiláticas, de identificação e de vacinação previstas na lei» [alínea b)].

Pela primeira vez, o direito de propriedade foi ainda limitado, em razão de um bem jurídico prevalecente – o

bem-estar animal – tendo o legislador determinado no n.º 3 do artigo 1305.º-A do Código Civil que «o direito de

propriedade de um animal não abrange a possibilidade de, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou

quaisquer outros maus-tratos que resultem em sofrimento injustificado, abandono ou morte».

Contudo, apesar do estatuto jurídico e das inúmeras denúncias de maus-tratos e abandono que são feitas,

no que respeita à proteção penal dos animais, o nosso Código Penal não acompanhou ainda a evolução feita

no direito penal de outros países, o repto da sociedade civil que clama por esta alteração legislativa, bem como

a doutrina e própria jurisprudência.

Desde os tribunais de primeira instância aos tribunais superiores que existe o reconhecimento de que

independentemente da finalidade com que os animais são detidos, devem ser sujeitos a uma existência digna7.

Pode ler-se no Acórdão da Relação do Porto, de 19 de fevereiro de 2015, referente ao processo

1813/12.6TBPNF.P1 que «constitui um dado civilizacional adquirido nas sociedade europeias modernas o

respeito pelos direitos dos animais. A aceitação de que os animais são seres vivos carecidos de atenção,

cuidados e proteção do homem, e não coisas de que o homem possa dispor a seu bel-prazer, designadamente

sujeitando-os a maus tratos ou a atos cruéis, tem implícito o reconhecimento das vantagens da relação do

homem com os animais de companhia, tanto para o homem como para os animais, e subjacente a necessidade

de um mínimo de tutela jurídica dessa relação, de que são exemplo a punição criminal dos maus tratos a animais

e controle administrativo das condições em que esses animais são detidos. Por conseguinte, a relação do

homem com os seus animais de companhia possui hoje já um relevo à face da ordem jurídica que não pode ser

desprezado»8.

É nossa convicção que atualmente já existe no nosso país amplo consenso em torno das soluções jurídico-

criminais adotadas por outros ordenamentos jurídicos afins, como é o caso do país vizinho.

O exposto torna premente a necessidade de alteração das premissas legais no âmbito da tutela penal dos

animais, ditando a eliminação do atual critério funcionalista e subjetivo, dificultador da interpretação e da

aplicação das normas penais e até do fundamento constitucional destas, conforme tem sido alertado por ilustres

penalistas como a Professora Doutora Teresa Quintela de Brito, já ouvida sobre esse assunto em sede de

comissão parlamentar.

Neste sentido e nas palavras da filósofa norte-americana Martha Nussbaum «os animais não humanos são

capazes de uma existência condigna. É difícil precisar o que a frase pode significar, mas é relativamente claro

o que não significa (…) O facto de os humanos actuarem de uma forma que nega essa existência condigna

aparenta ser uma questão de justiça, e uma questão urgente»9.

Considerando o que vai exposto, o PAN propõe-se alargar a tutela penal dos animais, com base no modelo

espanhol vigente, corrigindo, assim, aquela que é uma clamorosa injustiça de tratamento entre animais que não

sentem de forma diferente, independentemente do objetivo da sua utilização, pelo menos daqueles mais

vulneráveis, que estão à mercê da ação humana.

Por fim, entendemos que, face ao regime da propriedade de animais, tal como se encontra hoje configurado

pelo artigo 1305.º-A do Código Civil, importa diferenciar a propriedade de coisas inanimadas da propriedade de

animais, no âmbito da tutela penal do património, concretamente no que respeita ao crime de dano e na

consequente tipologia do crime, diferenciando e submetendo à necessidade de queixa ou acusação particular

7 O Direito dos animais – Jornal Universitário do Porto. 8 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto. 9 Martha Nussbaum, Frontiers of Justice, 2007.