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22 DE MARÇO DE 2023

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Num inquérito7, realizado em 2015, às mulheres sobre as suas experiências de parto, 43,8 % consideravam

que não teriam sido consultadas sobre as intervenções às quais foram sujeitas. Conforme dita a alínea a) do

artigo 15.º-A da Lei n.º 110/2019, depois de ser informada, a mulher tem direito a aceitar ou recusar determinada

intervenção.

Mais recentemente, entre 1 de março de 2020 e 15 de março de 2021, foi desenvolvido, de acordo com os

padrões definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), um questionário8 entre mulheres de 12 países

europeus que concluiu, por exemplo, que a 63 % das mulheres portuguesas não foi pedido qualquer

consentimento para a realização de parto instrumentalizado, prática cuja prevalência em Portugal é três vezes

superior à média europeia9. Acresce referir que outro indicador preocupante é o facto de uma em cada cinco

mulheres ter reportado que sentiu que foi vítima de abusos físicos, emocionais ou verbais.

Dada a fragilidade do tema, este divide opiniões, até mesmo quanto ao termo a utilizar para tais práticas, que

vacilam entre violência obstétrica, maus-tratos obstétricos ou mau-trato obstétrico.10 Isto, porque o termo

violência é normalmente associado a agressões físicas ou psicológicas intencionais e reiteradas, enquanto que

o termo mau-trato é mais abrangente: inclui abuso físico ou verbal, negligência ao nível da prestação de

cuidados, desrespeito pelas escolhas ou preferências da mulher ou privação da mesma dos adequados

cuidados. Não obstante, apesar da relutância em relação ao termo, sob o qual muitos profissionais de saúde se

sentem atacados, outros admitem que existem condutas erradas, existindo cada vez mais a consciência de

tratamentos considerados desumanos, e muitas mulheres que se sentem terrivelmente mal com os seus partos.

A verdade é que, em Portugal, práticas não recomendadas pela OMS mantêm taxas acima da média

europeia11. Uma das mais criticadas, é a episiotomia12, que se trata de uma incisão na zona do períneo destinada

a ampliar o canal de parto durante o período de expulsão. É comparada a uma laceração de grau 2, pelo que

pode provocar danos consideráveis para a mulher por afetar músculos, vasos sanguíneos e nervos, e há quem

considere que os riscos de lesão superam os possíveis benefícios. Um procedimento que, apesar de ser

desencorajado pela OMS, a sua taxa de ocorrência em Portugal, em 2010, ultrapassava os 70 %, e apesar da

tendência decrescente, mantém-se uma prática de rotina nos hospitais portugueses, o que demonstra que a

literatura científica e as boas práticas demoram a efetivar-se.

Outra prática que a OMS estabelece como não recomendada é a manobra de Kristeller13, para abreviar o

período expulsivo. Pode descrever-se como a aplicação de pressão com as mãos sobre o fundo uterino; no

entanto, quando aplicadas manobras de pressão desmedida e descontrolada do peso do corpo de alguém sobre

o útero, na tentativa de fazer nascer o feto a todo o custo, constitui má prática e, portanto, uma forma de violência

obstétrica. Esta prática é já proibida em França, mas estima-se ser realizada em 49 % das mulheres portuguesas

com partos vaginais instrumentalizados, quando a sua utilização deveria ser apenas em casos excecionais.

Acresce referir que muitas mulheres sofrem, de variadas formas, abusos, desrespeito e maus-tratos durante

o parto, o que constitui uma ameaça à sua integridade física e emocional. As consequências destas intervenções

são difíceis de avaliar a curto, médio e longo prazo.14

Nesse sentido, para fomentar a melhoria dos cuidados de saúde materna em Portugal, no essencial, deve

ser restabelecida a relação fundamental de confiança que deve existir entre os profissionais de saúde, as

grávidas e as suas famílias. Entende-se, portanto, que todas as parturientes e recém-nascidos devem ter acesso

aos cuidados de um enfermeiro especialista em saúde materna e obstétrica (EESMO) que garanta a

continuidade desses cuidados de forma individual e adequada às reais necessidades de cada mulher,

permitindo-lhe escolhas informadas e consentidas sobre todos os aspetos inerentes à assistência pré e pós-

natal, garantindo assim o envolvimento das utentes e a eficácia clínica.

Entende-se também que se devem incluir, na monitorização da qualidade dos cuidados de saúde materna,

indicadores que tenham em conta a experiência das mulheres e dos profissionais de saúde, inseridos em

estratégias orientadas pela promoção e proteção dos direitos humanos, com a inclusão de questionários de

satisfação a mulheres e também a profissionais de saúde, bem como promover a formação contínua dos

profissionais de saúde materna e infantil, em particular sobre o impacto de determinadas intervenções na saúde

7 Experiências_Parto_Portugal_2012-2015.pdf (associacaogravidezeparto.pt) 8 Taxas de violência obstétrica em Portugal são três vezes superiores à média europeia – JPN 9 Prevalência de parto instrumentado em Portugal é três vezes superior à média europeia – dnoticias.pt 10 Informação sobre violência obstétrica – Ordem dos Médicos (ordemdosmedicos.pt) 11 Portugal com taxas de práticas de violência obstétrica acima da média da Europa – Saúde – Público (publico.pt) 12 A episiotomia à luz da lei – Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto (associacaogravidezeparto.pt) 13 Parecer: a manobra de Kristeller está a ser ou não aconselhada realizar em parturientes? – Ordem dos Médicos (ordemdosmedicos.pt) 14 WHO_RHR_14.23_por.pdf