O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

II SÉRIE-A — NÚMERO 2

32

tradicional nefasta que para além de constituir uma violação dos direitos humanos das meninas e mulheres que

a ela são sujeitas, uma forma de violência contra as mulheres e de ser uma expressão da desigualdade de

género, segundo da Organização Mundial de Saúde traz um conjunto de sequelas imediatas (como, por

exemplo, hemorragias, infeções, risco de contração de VIH e, eventualmente, morte) ou mediatas (como, por

exemplo, repercussões a nível da vida sexual e reprodutiva, no seu aparelho génito-urinário e a nível de saúde

mental).

Embora frequente associada a crenças religiosas, não encontramos qualquer referência à mutilação genital

feminina nos livros sagrados (Bíblia, Tora e Corão); pelo contrário, estamos perante práticas justificadas por

razões de índole cultural, variáveis em função da comunidade onde são praticadas e que poderão estar

associados a rituais de início da vida adulta, de preservação da virgindade da mulher, de preservação da sua

pureza e de controlo da sua sexualidade/diminuição de libido sexual.

De acordo com as estimativas da UNICEF e do Fundo de População das Nações Unidas, pelo menos 230

milhões de meninas e mulheres de 31 países em três continentes foram submetidas à mutilação genital feminina

e que a cada ano mais de quatro milhões de meninas estão em risco de ser submetidas a esta prática. Sublinhe-

se, de resto e de acordo com estas entidades, a crise sanitária provocada pela COVID-19 ao fechar escolas e

interromper programas que ajudam a proteger as meninas desta prática, levou a que até 2030 possa haver um

aumento de meninas e mulheres submetidas a esta prática na ordem dos dois milhões.

Atendendo ao carácter nefasto desta prática tradicional, várias são as disposições internacionais que

apontam para a necessidade de se assegurar o seu fim. Em 2008, a Assembleia Mundial da Saúde, órgão

decisório da Organização Mundial da Saúde, aprovou a Resolução WHA61.16 sobre a eliminação da mutilação

genital feminina que enfatizava a necessidade de uma ação concertada e holística em todos os sectores (saúde,

educação, finanças, justiça e assuntos das mulheres) como caminho para pôr fim a esta prática. Por seu turno,

no âmbito da meta 5.3 da Agenda de Desenvolvimento Sustentável 2030, os Estados-Membros da ONU

comprometeram-se a acabar com a mutilação genital até 2030, e está é uma prática violadora de diversos

instrumentos jurídicos internacionais.

Após décadas de esforços de sensibilização para o carácter nefasto destas práticas liderados por

organizações da sociedade civil e grupos comunitários, em 2015 a Gâmbia aprovou legislação que proíbe a

mutilação genital feminina, por via de uma emenda da Women’s Act de 2010 que previu a punição com pena de

prisão de três anos, multa ou ambas para quem seja responsável por a violação desta proibição ou que tendo

conhecimento dessa violação não a denuncie.

A aprovação desta proibição constituiu um avanço muito importante num país, onde de acordo com a

UNICEF, cerca de 46 % das raparigas com idade igual ou inferior a 14 anos foram submetidas a mutilação

genital feminina e esta percentagem sobe para 73 % no caso das raparigas e mulheres entre os 15 e os 49

anos. Desde que esta prática tradicional nefasta foi proibida na Gâmbia, em 2015, apenas dois casos foram

julgados e a primeira condenação por prática só foi feita em agosto de 2023 – e mesmo assim em termos pouco

consistentes com as disposições legais.

Em vez de avançar e aplicar esta importante lei aprovada em 2015 e de se adotarem políticas abrangentes

para capacitar as Organizações não Governamentais e as meninas e mulheres para exercerem os seus direitos,

no dia 4 de março de 2024 o Deputado Almameh Gibba apresentou na Assembleia Nacional da Gâmbia um

projeto de lei – a Women's (Amendment) Bill 2024 – que pretende revogar as Secções 32A e 32B do Women’s

Act e reverter a proibição da Mutilação Genital Feminina aprovada em 2015. O proponente afirma querer

proteger a «pureza religiosa e salvaguardar normas e valores culturais» e a liberdade de culto e justifica a sua

iniciativa com o facto de esta ser «uma prática profundamente enraizada nas crenças étnicas, tradicionais,

culturais e religiosas da maioria do povo gambiano», particularmente no contexto do Islão. No passado dia 18

de março, esta iniciativa legislativa foi submetida a votação na Assembleia Nacional da Gâmbia, que por maioria

aprovou o envio desta lei para discussão em comissão parlamentar, adiando a eventual aprovação final no

mínimo por três meses.

Caso venha a aprovar esta alteração ao Women’s Act, a Gâmbia tornar-se-á no primeiro país do mundo a

reverter a proibição da mutilação genital feminina e dará origem a um retrocesso sem precedentes em matéria

de direitos humanos e dos direitos das mulheres.

Para além disso, na opinião do PAN, se se aprovar esta alteração a Gâmbia estará a violar diversos

instrumentos jurídicos internacionais a que está vinculada e o princípio da dignidade humana vertido na