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27 DE JULHO DE 2018

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4) Tendo em conta o vasto património de evidências científicas sobre a residência alternada, o regime de

residência com um pai/mãe e visitas ao outro e a importância do envolvimento paterno para crianças e mães, o

Conselho da Europa, no ponto 5.5. da Resolução 2079 (Parliamentary Assembly, 2 de outubro de 2015), solicitou

aos Estados membros que introduzissem o princípio da residência alternada no seu ordenamento jurídico,

dando, assim, um sinal claro de que este deve tornar-se um fundamento das políticas de família europeias.

5) Mesmo neste quadro, a residência alternada continua a não ter legitimidade na legislação portuguesa.

Em grande parte, porque é encarada na doutrina jurídica e nas práticas judiciais como um regime de exceção

ou prejudicial para a criança, por influência de conceções estereotipadas sobre esta nova forma de família, o

divórcio e a separação, a paternidade, a maternidade e as dinâmicas de funcionamento das famílias

portuguesas, bem como pela referenciação de opiniões pessoais a resultados de investigação que não se

consulta ou cujas conclusões foram refutadas após revisão científica (Marinho & Correia, 2017). Um bom

exemplo destes processos é a generalização do conflito parental a todas as famílias pós divórcio ou separação

baseada em realidades profissionais vividas nos tribunais, aos quais uma minoria de mães e pais recorrem para

resolver desacordos (Marinho & Correia, 2017). Com efeito, dados de 2011 revelam que apenas 4% das famílias

formadas pelo divórcio ou pela separação procuram os tribunais para resolver desentendimentos parentais,

mostrando que tais generalizações tornam uma maioria de famílias refém da disfuncionalidade relacional de

uma minoria (Marinho. 2017c).

6) Ao estabelecer a presunção jurídica do exercício conjunto das responsabilidades parentais quanto aos

«atos de maior importância» para a vida da criança, a Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, teve o mérito de procurar

promover valores de cooperação parental e de proximidade relacional da criança com mãe(s) e pai(s) após

dissolução conjugal na sociedade portuguesa. Contudo, a manutenção do regime tradicional de residência com

um progenitor (em regra, a mãe) e de períodos de contacto quinzenais de pequena duração com o outro (em

regra, o pai) – predominantemente em 2 tardes ou em 2 a 4 pernoitas por mês (Marinho, 2017a) –, fez com que

a aplicação desta Lei ficasse aquém das suas intenções. Tal fracasso deve-se às consequências estruturais

deste regime, há muito diagnosticadas pela investigação: desigualdade parental e privação emocional, social e

material de crianças, mães e pais (e.g. Arendell, 1995; Kruk, 2015; Marinho, 2017a; Nielsen, 2011, 2014). Cada

vez mais, tais consequências devem-se ao desajustamento entre este regime de residência e contacto e as

realidades afetivas, relacionais e sociais vividas pela maioria das famílias na conjugalidade e após a dissolução

desta (Kruk, 2010; Marinho & Correia, 2017; Neyrand et al., 2015; Nielsen, 2014, 2017). Destacamos três níveis

de realidade em que opera a desadequação do atual regime de residência e contacto em relação à maioria de

crianças, mães e pais que experienciam o divórcio ou a separação:

a) Não acolhe as realidades contemporâneas da parentalidade vivida em casal, nas quais se consolidam

novas práticas e atitudes sobre a igual importância dos contributos da mãe e do pai nos afetos, nos cuidados,

na educação e na obtenção de recursos para filhos e filhas (Marinho & Correia, 2017; Wall et al, 2016). Por isso,

cria obstáculos às maternidades e paternidades contemporâneas: cooperativas e permutáveis entre si (Marinho,

2011, 2017a, 2017b; Wall, Aboim, & Marinho, 2010). Mas também à promoção destas pelas vigentes políticas

públicas de promoção da igualdade de género na família e no trabalho e dos direitos da maternidade e da

paternidade (Wall, 2014; Wall, Aboim, & Cunha, 2010).

b) Alimenta desigualdades no envolvimento parental de mulheres e homens, que se revelam, tal como

explicam Marinho e Correia (2017, pp, 254-255), «nas diferenças entre progenitores na autonomia parental, na

influência sobre a vida de filhos e filhas e no acesso à criança, gerando assim desequilíbrios no funcionamento

da família parental». Como tais desigualdades estão ancoradas na referenciação do interesse superior da

criança ao uso do género para determinar diferenças nas aptidões, nas responsabilidades e nos papéis parentais

de mulheres e homens, estes desequilíbrios alimentam os conflitos parentais, pois «configuram um terreno fértil

para a disputa entre progenitores da validação social e legal das desigualdades entre os sexos na parentalidade»

(Marinho e Correia, p. 255), e.

c) Por fim, insere a criança em quadros de desigualdade afetiva, relacional e social (Kruk, 2015; Lamb, 2010;

Marinho & Correia, 2017; Nielsen, 2014), impedindo que esta beneficie da manutenção equitativa do

envolvimento parental amplo e responsável de mãe(s) e de pai(s) após dissolução conjugal (Hallman et al, 2007;

Marinho, 2017b; Nielsen, 2011, 2014).