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II SÉRIE-C — NÚMERO 20

O Sr. Presidente: — Declaro aberta a reunião. Eram 17 horas e 40 minutos.

Em primeiro lugar, quero cumprimentar os jovens que nos deram o prazer de estar connosco neste princípio das comemorações do 25 de Abril (15.° aniversário) e endereçar uma palavra de muita fraternidade, muita amizade, e um abraço amigo ao Sr. Prof. Agostinho da Silva, que nos vai dirigir a palavra hoje. Vai ser, com certeza, uma intervenção altamente estimulante, que irá suscitar muitas perguntas e muitas questões na parte final, a que o Sr. Prof. Agostinho da Silva, como sempre, está disponível para responder e comentar.

Quero deixar aqui os agradecimentos da Assembleia da República pela disponibilidade do Sr. Prof. Agostinho da Silva, os agradecimentos aos nossos convidados que quiserem hoje acompanhar-nos nesta sessão e que nos querem, porventura, acompanhar na sessão de amanhã. Particularmente cumprimento os jovens que vivem num momento alto da nossa história que são as comemorações do 25 de Abril.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Prof. Agostinho da Silva.

Aplausos gerais.

O Sr. Prof. Agostinho da Silva: — Parece que posso começar por citar Napoleão, que dizia, ou se inventou que dizia, que toda a demora é uma derrota.

Vamos começar mais ou menos à hora marcada e devo dizer-vos que venho acostumado do Brasil em que os horários declaram às pessoas que nunca a coisa começa antes dessa hora. Porém, hoje começamos a horas muito razoáveis.

Parece que tenho meia hora para me dirigir sobretudo aos jovens. Tenho o maior respeito e a maior veneração por todas as pessoas que são jovens, mas que já são mais antigas no planeta do que os jovens propriamente ditos, e é a eles que quero, sobretudo, dirigir--me para lhes dizer que, para mim, este dia é talvez o mais fundamental, o mais importante, que eu passei desde que voltei a Portugal, exactamente porque foi o acontecimento extraordinário que hoje se comemora que permite que os jovens, sobretudo eles, estejam sentados nessas cadeiras em que — e por isso a sala tem esse nome, Sala do Senado — se sentavam habitualmente os velhos.

Esta revolução, ao pôr os jovens como senadores, como se fosse os verdadeiros representantes do País com experiência, leva imediatamente a uma reflexão, que é a de que talvez todo o jovem que nasce esteja menos orientado para o passado do que para o futuro. A experiência que têm os velhos é sempre de um presente que vai decorrendo ou de um passado que já foi. A experiência dos jovens, que está em muitos deles ainda com pouco consciência própria, é uma experiência já do futuro. Assim, é muito bom que eles estejam aqui e é muito bom que discutam amplamente tudo o que se disser nesta sala.

E já vos digo — dirijo-me novamente aos jovens — que, se o tempo que temos não chegar para toda a discussão e para todas as perguntas, estou pronto a reunir-me com qualquer número deles para que a conversa continue, seja onde for, haja ou não instalações. Nas

Filipinas fez-se uma vez uma experiência de criar escolas nas esquinas das ruas, pois eu estou pronto a isso, a criar assembleias de encontro na esquina da rua, se não houver mais nenhuma instalação.

Vão surgir muitos problemas no Mundo e vão surgir muitos problemas em Portugal, e é bom que, de vez em quando, nos possamos encontrar, possamos ver o que é que se passa e possamos encontrar um caminho para o futuro, o que nem sempre vai ser fácil. Pelo contrário, vai ser sempre muito complicado, com várias opiniões se encontrando, porque estamos, em todo o Mundo e aqui, naquilo que se chama um período de transição.

De facto, para mim, a data 25 de Abril é, por um lado, uma data universal e, por outro lado, uma data local, uma data nacional.

Permitir-me-ei começar pela data internacional. Até hoje, apesar de todos termos estudado naquele martírio, às vezes produtivo, que se chama escola que houve uma idade clássica antiga, uma idade moderna e uma idade contemporânea e toda essa coisa, realmente, naquilo que vale até hoje no Mundo, só tivemos duas idades, sendo a primeira uma idade de plena liberdade e de plena fraternidade, quando a Humanidade, muito primitiva, de que às vezes ainda encontram vestígios, por exemplo, nalguns grupos de índios do Brasil ou da América do Sul, andava colhendo alimento pelo Mundo. Não havia nenhum lugar de estabilidade, havia apenas uma grande área que um pequeno grupo podia percorrer, de modo que sempre encontrava alimento. E esse grupo, ao que parece, era de uma grande fraternidade e de uma grande liberdade.

Simplesmente, houve, como é natural, um grande desenvolvimento demográfico. Aquela menina de que eu gosto muito — ou de cujo esqueleto gosto muito, porque é a única coisa que dela resta —, chamada Lucy, que deve ter morrido há uns 4 500 000 anos, fazia, naturalmente, parte desses grupos de liberdade, de plenitude e de fraternidade entre todos os membros do grupo.

Depois houve o desenvolvimento demográfico e, naturalmente, o terreno começou a ser escasso, teve que se limitar. Quando um homem se pôs diante da árvore a que os outros costumavam vir e declarou que aquela árvore era dele, que ninguém mais podia colher aquele fruto, podemos dizer que nesse momento começou aquilo que podemos chamar a nossa civilização actual ou, se quiserem, a nossa cultura actual, no significado que cultura tem em antropologia.

Naquela altura começaram os nossos hábitos, realmente tão poderosos que, muitas vezes, quando nos queixamos da natureza humana, apenas nos estamos queixando dos hábitos que um determinado regime nos impôs durante séculos e séculos, durante milhares e milhares de anos.

E não podia ter sido de outra maneira. Com aquela economia primitiva, com aquele vaguear de terra em terra e com aqueles frutos ali à disposição, não podia ter havido, de maneira nenhuma, o desenvolvimento que tem hoje o Mundo, não se podia ter avançado.

Foi preciso, naturalmente, fazer muito sacrifício, adoptar uma economia que é uma economia realmente de caça e de guerra, em que se procura acumular capital de qualquer modo, sabendo-se que, teoricamente,