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II SÉRIE-C — NÚMERO 15

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre duas questões relacionadas com o problema da publicidade dos trabalhos respeitantes às comissões parlamentares de Inquérito.

S. Ex.a o Presidente da Assembleia da República, ao abrigo do disposto no artigo 288.° do Regimento, solicita à Comissão de Regimento e Mandatos que se pronuncie sobre duas questões relacionadas com o problema da publicidade dos trabalhos das comissões.

Enunciado do problema

S. Ex.a o Presidente da Assembleia da República, por ofício de 30 de Outubro de 1989 dirigido à Comissão de Regimento e Mandatos, solicita parecer desta sobre duas questões relacionadas com o problema da publicidade dos trabalhos respeitantes às comissões parlamentares de inquérito.

Depois de referir que o mesmo merece aturada ponderação, em razão das profundas implicações que resultam das soluções conseguidas, formula as seguintes perguntas:

1.a Em que condições podem ser públicas as reuniões das comissões de inquérito, designadamente enquanto estão a ser feitos depoimentos?

2.a Em que condições poderá ser dado cumprimento ao n.° 3 do artigo 258.° do Regimento?

No apontado ofício, fez-se o enquadramento legal das questões postas, citando os artigos 252.° a 258." do Regimento e a Lei n.° 43/77, de 18 de Junho.

Interpretar o Regimento e integrar as suas lacunas é da competência da Mesa da Assembleia da República, ouvindo a Comissão de Regimento e Mandatos, sempre que o julgue necessário (n.° 1 do artigo 288.° do Regimento). O Presidente da Assembleia da República tem legitimidade para pedir parecer. Consequentemente, ao abrigo do disposto na alínea J) do artigo 35.° do Regimento, vem a Comissão dar o seu parecer, na sequência da ponderação feita e no desenvolvimento do seguinte

Relatório

1 — A publicidade — Considerações gerais

Uma das tarefas fundamentais do Estado Português é a de defender a democracia política e assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais [alínea c) do artigo 9.° da Constituição da República].

Para que seja possível aquela participação de uma forma consciente e responsável, a Constituição assegura a liberdade de expressão e informação, dispondo expressamente que «todos têm o direito [... ] de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações» (n.° 1 do artigo 37.° da Constituição da República) e «todos os cidadãos têm o direito de ser esclarecidos objectivamente sobre os actos do Estado e demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos» (n.° 2 do artigo 48.° da Constituição da República).

Para além dos princípios enunciados, a Constituição da República consagra ainda, no seu artigo 112.°, que «a participação directa e activa dos cidadãos na vida política constitui condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático».

Fazemos a adução dos incisos transcritos para fundamentar a convicção que nos toma de que a democracia só prospera com a publicidade. O sigilo, no que respeita à coisa pública, é um inimigo da democracia. Esta encontra-se sempre ameaçada quando, por supostas exigências de «segurança» ou de outra natureza, se afastam do conhecimento da grande massa popular os factos referentes à necessidade, custos e prováveis consequências dos empreedimentos que envolvam a comunidade.

O que se inicia com feição secreta tem natural tendência para se transformar em grave e ampla ignorância relativa aos assuntos que para a comunidade são do maior interesse público. Mina-se, dessa forma, uma participação que sempre se deseja consciente e responsável.

As restrições ao fluxo de informação afectam as condições do desenvolvimento da democracia. A deterioração dessas condições conduz fatalmente à sua própria degradação.

Um sinal deste perigo reside na diminuição das possibilidades de indagação dos cidadãos relativamente aos factos que consideram de importância para a comunidade.

Quando os relatos das agências públicas são de difícil obtenção, quando é proibido ou tornado difícil o acesso público ao resultado das reuniões dos órgãos governativos, quando as decisões administrativas são feitas à porta fechada e vedadas ao conhecimento público e quando tudo isto se processa por razões que não são explicadas publicamente, concorre-se para a preversão da participação pública. Então não só se limita frontalmente a extensão da democracia como igualmente a sua profundidade.

O que deixamos exposto, na linha de pensamento de Carl Cohen, in Democracia, ajuda-nos a compreender o orgulho sentido por Péricles quando, a propósito da democracia ateniense, proclamava: «Os portões da nossa cidade estão aberto ao mundo.»

A publicidade é, na verdade, uma condição essencial da democracia.

Mensageira do conhecimento, permite a adesão ou a oposição, desperta sensibilidades, abre o confronto de ideais, suscita a participação política, fomenta o exercício dos direitos fundamentais do cidadão e concorre para a transparência e maior justeza dos actos dos agentes ou órgãos que, como detentores de poder, condicionam o relacionamento entre os cidadãos e destes com o Estado e harmonizam a complexidade dos interesses de todos.

A publicidade constitui, por isso, um instrumento importantíssimo na consolidação do sistema democrático. Daí a necessidade do reconhecimento do direito dos cidadãos de se informarem, de serem informados e esclarecidos sobre os actos do Estado e demais entidades públicas, respeitantes aos interesses, decisões, projectos e soluções que preenchem a vivência de cada sociedade, quando organizada de forma democrática e pluralista, nos espaços culturais, sociais e políticos que concorrem para a sua afirmação e identidade.