8 DE JANEIRO DE 1994
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Não foi isto que sucedeu, vindo o reclamante a ser excluído, por duas vezes, da frequência do dito curso.
Estando em causa uma instituição ligada à entrada na carreira da magistratura — logo, ao processo de designação dos titulares do órgão de soberania plural, que são os tribunais — poder-se-ia colocar a questão de, face ao disposto no artigo 22.° do Estatuto do Provedor de Justiça (Lei n.° 9/91, de 9 de Abril), se poder configurar uma possibilidade de intervenção do Provedor de Justiça no funcionamento do CEJ, analisando o modo como este interpreta a lei, emitindo as recomendações que se afiguram como necessárias.
Neste passo, dois problemas diferentes há a dilucidar. O primeiro, já descrito, quanto à natureza do serviço do Estado, posto em causa; o segundo, quanto à possibilidade de análise da função desempenhada por esse serviço, nomeadamente na avaliação dos candidatos a magistrados.
Embora a Constituição, no seu artigo 23.°, n.° 1 (artigo 24.°, n.° 1, da versão primitiva), não limite a garantia graciosa que é a queixa ao Provedor de Justiça às acções ou omissões dos órgãos administrativos, sequer dos materialmente administrativos, a verdade é que o Estatuto do Provedor quer na sua versão pré-constitucional (Decreto-Lei n.° 212/75, de 21 de Abril) quer nas duas versões que já leva após a entrada em vigor da Constituição da República Portuguesa de 1976 (Leis n." 81/77, de 20 de Setembro, e 9/91, de 9 de Abril) configuram primariamente este órgão do Estado como essencialmente virado para a garantia dos cidadãos no seu relacionamento com a Administração Pública. Neste sentido, temos os artigos 2.° e 22." do actual Estatuto do Provedor de Justiça, o primeiro, a título não taxativo. Diga-se já que tal não parece ser a visão mais correcta face à Constituição da República Portuguesa e à lei. Não só várias competências atribuídas por lei extravasam do âmbito da Administração Pública, tal como o poder de emitir recomendações legislativas e o poder de requerer a fiscalização da constitucionalidade e legalidade de normas, bem como a verificação da inconstitucionalidade por omissão, como também se podem configurar situações entre particulares que mereçam a intervenção do Provedor de Justiça, v. g., quando estejam em causa relações especiais de poder ou quando a violação dos direitos, liberdades e garantias seja gritante, pela gravidade ou reiteração.
De qualquer modo, no caso presente, não parece oferecer dúvida o facto de o CEJ ser um organismo administrativo, dependente do Ministério da Justiça (cf. artigo 1.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.°374-A/79, de 10 de Setembro), e, como tal, sujeito ao total controlo por parte do Provedor de Justiça.
A sua actividade não é a tipicamente atribuída a órgãos jurisdicionais pela Constituição, mas, sim, a de preparação de eventuais futuros titulares desses órgãos.
Quanto à natureza da actividade desenvolvida no CEJ, e consequente questão da sua possibilidade de controlo, sempre se dirá que o que está em causa não é o juízo de valor sobre as aptidões reais ou demonstradas do reclamante. Está-se, apenas, a aquilatar da bondade das medidas administrativas tomadas pelo CEJ, ao avaliar negativamente o candidato, face aos aspectos legalmente vinculados da sua actuação.
Como é sabido, a chamada «justiça burocrática» (Diogo Freitas do Amaral, Direito Administrativo, 2." vol., p. 33) que é exercida pelos examinadores não é uma zona livre do direito. Pelo menos quanto aos critérios orgânico-formais, está a sua formação legalmente determinada.
Deste modo, com a prevenção que o caso em apreço apenas pode ser tratado face à possibilidade de exclusão, pode-se entrar na apreciação do conteúdo da queixa. O reclamante
exercia a sua profissão de advogado. Foi, como outros cidadãos, nomeado, ao abrigo do artigo 6." do Decreto-Lei n.° 264-C/81, de 3 de Setembro, para desempenhar as funções de substituto do juiz de instrução criminal da comarca do Barreiro. Este diploma, abrindo a possibilidade da nomeação nesses postos de advogados e advogados estagiários, visava ultrapassar a escassez de quadros disponíveis para o preenchimento de tais lugares, surgindo como instrumento
de recurso para colmatar graves deficiências em termos de pessoal qualificado para a administração da Justiça. Foi, pois, em resposta a uma grave carência e necessidade públicas que o recorrente, como outros colegas seus, suspendeu a sua anterior actividade profissional, para exercer as funções já descritas.
Com a progressiva normalização do serviço, conseguida através do recrutamento e formação de juízes, foi o requerente dispensado do exercício das funções que desempenhava, por desnecessárias no quadro de então.
Esta cessação de funções, com o consequente retomo à actividade de advocacia anteriormente exercida, terá provocado grave dano na situação pessoal do reclamante, como alega e, aliás, é bem compreensível, dada a natureza bastante fluida e incerta da profissão liberal em causa, dependente da constituição de uma carteira de clientes, inevitalmente dispersa por anos de imobilidade.
Esses danos, com a necessária responsabilização, se não jurídica pelo menos moral, do Estado, foram admitidos pela Lei n.° 21/85, já citada, ao permitir a integração nos quadros da magistratura, através da frequência do CEJ sem necessidade de submissão a testes de aptidão, após parecer favorável de inspecção extraordinária.
Foi o que sucedeu ao reclamante, que, após inspecção, frequentou o CEJ, tendo sido excluído dessa frequência por decisão do mesmo Centro. O reclamante alega estar essa exclusão em violação ao artigo 188." da Lei n.° 21/85, citada.
Não tem razão o reclamante. A dispensa concedida por essa norma refere-se tão-somente aos testes de aptidão para o ingresso no CEJ, e não à avaliação necessária para ingresso na magistratura. Trata-se, assim, de uma norma de cariz análogo ao do artigo 28.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 374-A/79, concedendo essa dispensa a outras categorias de cidadãos, como advogados com certa antiguidade e doutores em Direito.
Do ponto de vista do direito vigente, não há, pois, que censurar ao CEJ qualquer ilegalidade cometida.
Apreciação diferente é a que resulta da análise da justiça da situação. Como se sabe, uma das virtualidades específicas da actuação do Provedor de Justiça é a de poder e dever encarar as questões que se coloquem para além do direito estrito, avançando para a justeza do direito aplicável e do que deverá existir, podendo para tal emitir as pertinentes recomendações.
Não sobram dúvidas de que o reclamante (bem como os seus colegas) disponibilizou-se para servir o Estado num momento em que este carecia desesperadamente da sua colaboração. Também parece certo que, em virtude desse serviço público, o reclamante e os seus colegas ficaram numa situação difícil, num nível etário em que as alterações profissionais se repercutem de modo bastante gravoso na situação pessoal.
Parece da mais elementar justiça que o Estado procure assegurar a esses seus servidores que o serviço prestado não tenha sido a causa da sua ruína. Nesse sentido se insere o já referido artigo 188.° da Lei n.° 21/85, que peca por insuficiente.
Sendo o CEJ um centro de formação para o adequado exercício das funções judiciais, não se entende a necessidade