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30 DE ABRIL DE 1994

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n.° 4, a autorização, mediante lei especial, para o Estado e outras pessoas colectivas de direito público poderem celebrar convenções de arbitragem. Este argumento serviu, aliás, de refúgio em defesa do Decreto-Lei n." 237/93, de 3 de Julho, por parte de S. Ex.* o Ministro da Saúde (cf. documento n.° 2, a fl. 3), pese embora o formalismo. Isto é, o Estado teria necessariamente de autorizar por via legislativa a constituição de um tribunal arbitral e, como tal, ser-lhe-ia admitida a inclusão de todo o género de condições, independentemente de reconhecer uma inelutável proeminência da sua posição diante dos lesados e das suas famílias.

9 — Ora, tais condições, para além de dispensáveis, exibem uma das partes no conjunto dos litígios a socorrer-se da via legislativa para limitar as indemnizações que muito provavelmente terá de suportar e, por outro lado, a vedar um eventual recurso futuro à jurisdição comum — sem limite indemnizatório —, escudando-se na aplicação de fórmulas equitativas quando, por via do artigo 344.° do Código Civil, a inversão do ónus da prova sobre o nexo de causalidade permite ir mais longe que uma simples flexibilização dos aspectos probatórios, oferecida pela equidade (cf. Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, n.° 3831, p. 182).

10 — A solução não é célere, como se pode constatar pela evidência dos factos. Com o devido respeito e a elevada consideração que merece o tribunal arbitral, cuja composição só permite dignificá-lo, não foi até ao presente momento lograda qualquer solução desde a sua constituição, já que o apuramento das regras processuais aplicáveis não viabilizou o melhor resultado nem é previsível, num futuro próximo, que tal venha a suceder.

11 — A solução não é adequada, estou em crê-lo, na medida em que não garante a reparação provisória, nem tão-pouco no caso de serem os lesados sobreviventes os autores, e não os seus herdeiros. Refiro, de resto, que outra inadequação reside precisamente no facto de a convenção de arbitragem ter ficado cingida aos herdeiros legais no caso de falecimento dos lesados, razão pela qual recomendei a S. Ex.* o Ministro da Saúde que fosse conferida legitimidade a todos quantos se encontrem em relação de estreita dependência económica do lesado, para além de ter sugerido um alargamento do conceito de lesado aos indivíduos que tenham sido infectados através dos primeiros lesados, quer no âmbito da prestação de cuidados de saúde, quer por factores inerentes às relações da vida familiar.

12 — A doutrina civilística vem de há longa data discutindo a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais conexos com a morte e, se é certo ter o Código Civil pugnado pela afirmativa (artigo 496.°, n.os 2 e 3), não deixa de conferir-lhe a natureza de compensação, protegendo expressamente todos quantos pudessem exigir alimentos ao lesado, assim como aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural (artigo 495.°, n.° 3). São estes últimos, na verdade, pela sua insuficiência de meios, quem mais preocupará o lesado quanto ao seu destino, à margem do facto de serem ou não seus herdeiros legais. No caso de o lesado ter já falecido, justo seria garantir-lhes adequada tutela, por via de uma solução arbitral que irremediavelmente tardou. Nem se diga, em desfavor da recomendação, que a sucessão testamentária poderia tornear o problema, pois o texto do Decreto-Lei n.° 237/93, de 3 de Julho, reporta-se, tão-somente, aos herdeiros legais, ou seja, legítimos e legiümários.

13 — Pelas razões enunciadas sumariamente e por outras que mantenho como válidas, remetendo os ilustres Deputados para o confronto com os documentos anexos, sustentei junto do Governo a criação de uma comissão representativa dos valores em presença, a qual, além de estabelecer uma indemnização provisória, fixaria por consenso, posteriormente, o montante do ressarcimento, sem prejuízo do regular funcionamento do tribunal arbitral (expurgado dos vícios apontados), ao qual sempre caberia decidir na falta de acordo. Por outro lado, porque mais consentânea com estes pressupostos, foi objecto da recomendação a forma de renda, nos termos do artigo 567.° do Código Civil, através de um fundo administrado pluralmente, ou seja, não exclusivamente pelo Estado, cujas receitas resultariam em boa parte do exercício do direito de regresso sobre os responsáveis pelo fornecimento de produtos contaminados aos estabelecimentos públicos de saúde.

14 — Do mesmo passo, foi concluída a necessidade de outorgar alguns benefícios sociais e patrimoniais a todos os cidadãos portugueses em estado de seropositividade ou em estados consequentes. Esta conclusão surgiu sem qualquer relação imediata com o ressarcimento dos lesados por actos terapêuticos praticados nos estabelecimentos públicos de saúde. Tais benefícios encontram fundamento na premência de assegurar uma melhor qualidade de vida aos atingidos pelo flagelo da sida, sem excluir, antes pelo contrário, que o mesmo se faça relativamente a outras doenças de cura desconhecida e sempre em obediência à preocupação de salvaguardar a privacidade de todos os doentes, a sua dignidade e a liberdade de aceitarem tais benefícios ou não.

15 — Assim, recomendei o desenvolvimento do princípio do tratamento domiciliário, a realização de programas que garantam a não desintegração social dos doentes e seus familiares, a concessão de crédito bonificado no campo da habitação e da auto-suficiência de transportes e a aprovação de benefícios fiscais, principalmente ao nível dos impostos sobre o rendimento e o património.

16 — Naturalmente, a recomendação de 27 de Dezembro próximo passado surgiu alicerçada na apreciação que este órgão do Estado teve oportunidade de efectuar sobre a utilização de produtos derivados do sangue, designadamente de factor viu, em hospitais públicos. Foi detectado um caso, particularmente grave, de administração, entre 18 de Agosto de 1986 e meados de Setembro do mesmo ano, de um lote importado da Áustria, sem que estivessem certificadas devidamente as características de inocuidade, à luz dos conhecimentos científicos da época e das especiais exigências de cautela que o risco envolvido e um certo mínimo de prudência aconselhariam.

17 — Além de negligente, em face dos sinais de alarme que eclodiram sobre o Ministério da Saúde quanto à qualidade do lote n.° 810 536, da Plasmapharm-Sera, a administração deste lote violou um despacho de S. Ex.° a Ministra da Saúde, ao tempo a Sr. Dr.* Leonor Beleza — Despacho n.° 12/86, de 18 de Abril—, porquanto se considerou suficiente a idoneidade emprestada ao lote pela marca aposta no rótulo. Meses mais tarde, em Dezembro de 1986, os mesmos conhecimentos médicos que teriam possibilitado a sua retirada oportuna vieram concluir pela não administração do mesmo, verificadas que eram as referências das bandas de Westem-Blot. Ainda assim, só em 10 de Fevereiro de 1987 viria a ser ordenado que se retirasse dos hospitais o lote em causa, quando paradoxalmente estaria já consumido integralmente.