O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

180

II SÉRIE-C — NÚMERO 33

RELATÓRIO DO PROVEDOR DE JUSTIÇA À ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA -1992

Em cumprimento do disposto no artigo 23.°, n.° 1 da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, tenho a honra de apresentar à Assembleia da República o relatório da actividade do provedor de Justiça referente ao ano de 1992. Releve-se o atraso com que o faço e que ficará explicado, se não justificado, com o què adiante se aponta.

O Provedor de Justiça, José Meneres Pimentel. SUMÁRIO

Introdução

Parte I — Da instituição:

1 — Diagnóstico da situação na Provedoria de Justiça.

1.1 — Problemas infra-estruturais.

1.2 — Problemas estruturais.

2 — Medidas tomadas e resultados conseguidos.

Parte II — Da actividade:

1 — Actividade processual.

1.1 — Dados estatísticos.

1.1.1 — Comentário aos dados estatísticos.

1.2 — Pedidos de declaração de inconstitucionalidade.

1.2.1 —Casos em que se decidiu não pedir a fiscalização da constitucionalidade.

1.3 — Recomendações legislativas — genéricas.

1.4 — Resumos de processos anotados.

2 — Actividade extraprocessual.

2.1 — Seminário sobre CPA.

2.2 — Seminário «Menores em Risco Numa Sociedade em Mudança».

2.3 — Participação do provedor em reuniões internacionais.

3 — Anexo — Discursos e intervenções do provedor de Justiça.

Introdução

O provedor de Justiça foi designado pela Assembleia da República no dia 14 de Janeiro de 1992, nos termos do artigo 5.°, n.° 1, da Lei n.° 9/91, de 9 Abril. A designação do

novo provedor ocorreu em circunstância de alguma anormalidade na vida da instituição: o meu ilustre antecessor, Dr. Mário Raposo, renunciara ao cargo em 21 de Dezembro de 1991. As razões que a tal o levaram, e que a comunicação social veiculou, induziram na opinião pública a ideia de que o órgão de Estado «provedor de Justiça» estaria em crise, nomeadamente por não ter garantias de poder desenvolver, em termos satisfatórios, a sua actividade institucional. Aceitei, mesmo assim, o convite para me candidatar que em conjunto me foi dirigido pelos líderes parlamentares do PSD e PS. A eleição ocorreu na sessão plenária da Assembleia da República do dia 15 de Janeiro de 1992, e a cerimónia de posse teve lugar no dia 4 de Fevereiro de 1992, no Salão Nobre da Assembleia da República, Nela o Sr. Presidente da Assembleia da República proferiu o seguinte discurso:

1 — Por ter sido eleito para o cargo, acaba V. Ex.*, Sr. Conselheiro Meneres Pimentel, de assumir as funções de provedor de Justiça. Por consequência, doravante, terá V. Ex." por especial missão receber as queixas respeitantes a comportamentos dos poderes públicos atentatórios de direitos, liberdades, garantias e interesses legítimos dos cidadãos, dirigir recomenda-

ções com vista à correcção de actos ilegais ou injustos ou à melhoria dos serviços prestados pela Administração, assinalar as deficiências detectadas na legislação vigente e sugerir a adopção de legislação

nova, promover a divulgação do conteúdo de cada um dos direitos fundamentais e do papel da Provedoria de Justiça na sua protecção e defesa, integrar o Conselho de Estado, requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade de normas e a apreciação e verificação de inconstitucionalidade por omissão, elaborar e enviar à Assembleia da República relatórios sobre a actividade da Provedoria de Justiça. Assim o dizem a Constituição, as leis e o Regimento da Assembleia da República, todos eles à uma inspirados na ideia escandinava que há muito se institucionalizou na figura do Ombudsman.

2 — A verdade é que o instituto do Ombudsman vem conhecendo uma rápida universalização atravessando hoje ordens jurídicas que estão muito longe da família escandinava. O fenómeno prende-se — como é sabido dos presentes — com as deficiências de que naturalmente sofre a protecção dos direitos e liberdades do cidadão nos Estados modernos, inclusive naqueles que se enquadram no tipo denominado «Estado de direito democrático».

Mesmo onde a accionabilidade dos poderes públicos perante os tribunais constitui uma característica nuclear do Estado —como é no Estado de direito democrático — a protecção jurídica do cidadão não pode deixar de ser limitada. A isso obriga um outro princípio essencial da estrutura democrática do Estado — o princípio da divisão de poderes. Por força dele e da sua expressão mais elementar — o princípio da competência —, as decisões públicas hão-de ser tomadas, sempre e só, pelo órgão a que estão cometidas pela ordem jurídica, não sendo legítimo a qualquer outro órgão ou poder substituir-se a esse. Daí que a protecção jurisdicional dos cidadãos perante as autoridades administrativas, além de dever ser por regra sucessiva (ex post), não possa ir ao ponto de transferir totalmente para as mãos dos juízes a responsabilidade pela decisão administrativa controlanda. O gouvemement des juges não é senão uma forma de despotismo — o despotismo judicial, se calhar o pior de todos os despotismos, como ensinavam os clássicos, a começar por Hamilton. O que significa que o poder jurisdicional não pode dispor da possibilidade de efectivamente tutelar toda a esfera jurídica dos cidadãos uti singuli perante as agressões, atropelos e omissões vindas do lado da Administração Pública.

Por outro lado, a protecção jurídica dispensada directamente pela Administração —seja ao longo do ciclo decisório, seja depois da tomada das decisões — depara com défices praticamente insuperáveis. Entre a proclamação constitucional do dever da imparcialidade e a prática efectiva deste interpor-se-á sempre um passo significativo, desde logo porque na dinâmica real o administrador é um decisor interessado e o seu interesse, ainda que legítimo, nem sempre coincide com o interesse do cidadão singular ou das classes específicas de cidadãos de que se trate. A «máquina administrativa», em suma, está condenada a segregar injustiças, num coeficiente maior ou menor, para aqueles