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II SÉRIE-C — NÚMERO 33

desde que ele permita tornar mais fácil o exercício da tirania. Nunca, como hoje, a pessoa humana sofreu

tanto a solidão no meio da multidão; na verdade, se-

gundo a generalidade dos pensadores contemporâneos, o sentimento da marginalização atingiu um grau tão elevado a ponto de constituir uma das doenças psicológicas mais constantes do homem actual.

6 — Consequentemente, o perigo mais sério do nosso século foi, sem dúvida, o do poder organizado das autoridades públicas do Estado. Os casos do fascismo, do nazismo e do comunismo totalitário são disto um exemplo muito cruel, mas a democracia pluralista, como disse, pode cavar um fosso muito grave entre quem governa e quem é governado. Daqui o aparecimento dos denominados «checks and balances», entre os quais se pode incluir a instituição do Ombudsman. Nesta perspectiva, a figura do provedor de Justiça é, como a imagem do próprio povo, a imagem do poder não exercido mas real. E é aí que reside a sua grandeza: uma grandeza feita da fragilidade saudável da própria democracia.

7 — Segundo a conceptualização moderna do provedor, expressa por Olof Palme, nas sociedades desenvolvidas a alienação é uma realidade, ainda que a alguns essa alienação satisfaça e adormeça. Como ele referiu em 1973, cada dia, nas pequenas coisas, complicamos a vida, espezinhamos os outros, transformamos a vida numa alienação ou num inferno. O provedor era, assim, para ele, a consciência democrática que nos alerta para que não há sucesso com vítimas ou injustiçados, obrigando-nos a introduzir e a querer mais justiça no quotidiano concreto das nossas vidas.

8 — Se é verdade que ao liberalismo se ficou a dever a democracia formal, cedo se verificou que o percurso dito democrático do Estado liberal podia mascarar um défice de democracia real, tomando meramente nominais os valores da liberdade e igualdade que, no entanto, lhe tinham servido de inspiração. O colectivismo foi a tentativa desastrada de cobrir esse défice de democracia real. Contrapondo esta à democracia formal acabou por eliminar ambas —e a recente derrocada dos impérios que construiu constitui a prova cabal de que fora contra o homem real que erguera a sua construção ideológica e sedimentara o seu modelo de sociedade. E nada do que é contra o homem pode reclamar-se de perenidade. Todavia, o problema que o colectivismo identificou, sem o resolver, persiste nas sociedades modernas onde a democracia plena é a meta de um caminho longo que todos somos convidados a percorrer. Atribuir ao provedor o papel de consciência crítica da sociedade e do Estado, pronto a identificar as emergências do défice democrático, e, mais do que isso, pronto a intervir no sentido de levar o Estado a colmatá-las, é a tentação que se me apresenta ao procurar definir para mim próprio a linha mestra que deverá, nessa qualidade, orientar a minha acção.

9 — Não penso que a acção do provedor de Justiça em face do Estado possa ser encarada em termos de poder e contrapoder. Considero redutora essa visão e, como tal, inexacta. Como não julgo exacta a representação do provedor como uma figura inerme e de-

samparada face à ampla panóplia de que dispõem os poderes legítimos, ainda quando ilegitimamente exercidos. É no povo que, em democracia, o verdadeiro Poder reside. Com efeito, é à vontade popular, expressa em eleições livres, que os poderes democráticos vão buscar a sua legitimidade. O que significa que em democracia não exerce o Poder quem realmente o tem: exercem-no, repartido, aqueles que a vontade popular indicou. É assim que, em democracia, o Poder, quando exercido, se pluraliza: há órgãos dotados de poderes, que exercem porque mandatados por aqueles que detêm o Poder.

Se houvéssemos de, nesta perspectiva, situar o provedor de Justiça, não o poderemos alinhar como mais um detentor de poderes entre outros que igualmente os detêm. E, sim, como a voz daquele que detém o Poder e dele se privou, junto daqueles em quem o delegou e que, no seu exercício concreto, podem arranhar as células do grande corpo em que o dito Poder se encarna.

10 — Qual deverá ser então, nesta perspectiva, a linha de actuação do provedor de Justiça?

Antes de mais, não gostaria que a Provedoria de Justiça fosse apenas um serviço público entre os demais, enfermando quiçá dos defeitos que os atingem, onde burocraticamente se desse andamento aos processos entrados. Sem deixar de responder às queixas concretas que lhe são apresentadas, deve o provedor induzir as acções necessárias para que sejam sanadas as causas que as provocam; de facto, as queixas são os sintomas e é a doença que importa combater.

Antevejo, pois, como saudável, o assumir uma atitude activa que tempere o passivismo configurado na hipótese que primeiro formulei.

Nesta linha de actuação, preconizarei uma maior intervenção no processo legislativo, sobretudo a nível do funcionalismo público, da actividade administrativa e, de uma maneira muito específica, no domínio das leis de processo, com vista à obtenção de razoável celeridade na administração judiciária.

Logo que bem definidos os sectores estratégicos de maior incidência na actividade da Provedoria, competir-lhe-á coadjuvar os cidadãos no acesso ao direito, à informação e consulta jurídica; no esclarecimento sobre o direito de resistência, no de efectivar a responsabilidade civil do Estado (incluída a derivada do exercício da função legislativa), no direito de petição, no exercício da acção popular e do direito de participação na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito no âmbito da actividade administrativa. Importa, outrossim, não esquecer o domínio dos chamados direitos do homem de «segunda geração», como sejam os relativos ao ambiente, à defesa dos cidadãos face à informática, os referentes aos consumidores, à defesa do património cultural, aos da condição feminina e dos menores, à tutela dos interesses difusos, e permitir a humanização nas relações entre o fisco e os contribuintes.

Para tornar possível esta e outras tarefas, julgo importante a rápida promulgação da nova lei orgânica dos serviços da Provedoria, assim como o alargamento das actuais instalações.