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22 DE SETEMBRO DE 1994

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que a ela recorrem ou que ela arrasta no seu movimento.

Aqui, na intercepção destes dois défices da protecção jurídica conferida ao cidadão no Estado de direito democrático, é que se inscreve a figura do provedor de Justiça. Não estamos perante um órgão jurisdicional

nem perante uma autoridade administrativa decisória,

mas perante uma entidade nova «independente dos meios graciosos e contenciosos previstos na Constituição e nas leis», à qual cabe o poder de recomendar à Administração e ao legislativo tudo o que lhe parecer necessário para prevenir e reparar injustiças in casu ou em geral. O êxito prático desta missão depende, claro está, da capacidade, do talento e da discrição da pessoa que exercer o cargo de provedor para persuadir racionalmente legisladores ou administradores da excelência e justiça das medidas que preconiza. Da/ que a escolha do provedor esteja sujeita às exigências da eleição pela Assembleia da República por dois terços dos Deputados presentes e da comprovada reputação de integridade e independência da pessoa em causa.

3 — V. Ex.°, Sr. Conselheiro Meneres Pimentel, acaba de entrar na série das personalidades insignes, iniciada no âmbito da Constituição com a notável figura de jurista e cidadão de José Magalhães Godinho, às quais coube, desde meados da década de 70, a tarefa honrosa e prestigiada de exercer o alto cargo de provedor de Justiça.

Nesta oportunidade, gostaria de lhe exprimir o meu profundo contentamento pessoal pela distinção que a Assembleia da República lhe conferiu ao elegê-lo, e manifestar publicamente a minha certeza de que cumprirá com o maior proveito para as instituições democráticas esta nova missão que a República lhe exige. Para isso dispõe do melhor augúrio: à sagacidade e inteligência que revela em todos os seus actos, alia não só uma sólida cultura jurídica como uma diversificada e rica experiência no trato da causa pública — seja no Parlamento, seja no Governo, seja no Supremo Tribunal de Justiça.

E, decerto, de muito lhe valerá e à instituição que vai servir a sua experiência de legislador — pois, talvez, uma das dimensões marcantes da função do provedor de Justiça seja prospectiva e assente na ars inveniendi de descobrir caminhos novos para superar e vencer as injustiças da rotina administrativa em situação.

Sr. Conselheiro Meneres Pimentel: parabéns e felicidades.

Pela minha parte, respondi com as palavras que a seguir se transcrevem, e nas quais pretendi sintetizar as linhas programáticas da minha actuação como provedor, e, ao mesmo tempo, a avaliação pessoal que fazia das circunstâncias:

1 — A justiça dos homens resolve, ou esforça-se por resolver, os problemas concretos que interessam à pessoa e à sociedade; ela, para alcançar este objectivo, formula e impõe normas, cria organismos, prevê procedimentos para as questões suscitadas pela vida de cada dia. Só que estes problemas estão em continua

mudança, assim como o mesmo acontece com as normas, os procedimentos e os organismos criados para resolver aqueles. Tendo em conta esta permanente evolução, deverá fazer-se a interrogação sobre se existirá uma solução duradoura. De facto, o século prestes

a findar infelizmente mostrou a necessidade de uma luta permanente contra a opressão e a pobreza, desencadeando a imprescindibilidade de uma guerra a favor da liberdade e dignidade da pessoa humana, da justiça social e da coexistência pacífica entre as pessoas e os povos.

2 — Se o exposto é infelizmente válido para todas as épocas, a presente continua a reclamar o mesmo tipo de acções, conhecidas, como são, as grandes contradições deste século: enquanto se desenvolveram os ideais mais nobres de liberdade individual e da dignidade da pessoa humana, estabeleceram-se sistemas de opressão das pessoas, de grupos étnicos e mesmo de nações inteiras; por outro lado, observou-se o mais impressionante desenvolvimento da riqueza material, despertaram oportunidades de novas riquezas e de um novo bem-estar, mas simultaneamente viu-se e continua a assistir-se ao flagelo da miséria generalizada e devastadora.

3 — Se é exacto que no início do século existia alguma possibilidade de finalmente se viver unido e em paz, o certo é que, logo na sua primeira metade, se assistiu ao desolador espectáculo de duas guerras devastadoras para, logo de seguida, se ter mantido, durante 40 anos, um latente conflito que, a desencadear-se, resultaria na destruição do mundo em que vivemos. Contudo, os acontecimentos novos levam-nos a ter alguma esperança sobre a perenidade da paz e da concórdia entre os homens.

4 — Em plano mais concreto, episódios conhecidos, como o da ausência de regras normais de convivência social em países da Europa Central e do Leste, escândalos na Europa Ocidental, nas Américas, no continente asiático e com Timor Leste induzem a uma reflexão aprofundada sobre o que se pode denominar como um problema de «imoralidade» no direito. Guerras como as do Vietname, Irão, Afeganistão e outras fazem, por seu turno, pensar no mesmo problema de «imoralidade», agora centrado no terreno da política. Importa, assim, assegurar a liberdade, a justiça e a paz que continuam a ser os problemas fundamentais nesta época de transição para um mundo que se deseja menos desigual. A meu ver, a questão nuclear continua a ser a da opressão dos homens pelos poderes públicos. De facto, a democracia pluralista pode gerar efeitos perversos apesar de um conjunto de garantias formais como as da existência de constituições escritas e respectivo controlo das leis regulamentadoras daqueles textos fundamentais.

5 — Em épocas como a actual, grupos organizados (corporações económicas, sindicatos, associações profissionais, partidos políticos) são ou podem tornar--se mais perigosos ou mais inclinados a imiscuir-se na vida privada de todos nós do que os referidos órgãos políticos do Estado. E mesmo o fantástico e maravilhoso progresso verificado no domínio da tecnologia passou a constituir uma ameaça potencial à liberdade,