3 DE AGOSTO DE 1996
190-(83)
5 — Serviço de Informações de Segurança
RELATÓRIO DE SEGURANÇA INTERNA RESPEITANTE A 1995 I — Considerações gerais
A justo título, a segurança é actualmente considerada um essencial componente da qualidade de vida das populações.
Por isso mesmo, não surpreende que, ao longo de 1995, a segurança —ou, melhor dizendo, a falta dela— tenha constituído tema incontornável do debate político e assunto obrigatório de sucessivos noticiários, editoriais e reportagens.
Só o tempo dirá —analisados que forem, com o necessário rigor, todos os pertinentes indicadores estatísticos — se a criminalidade participada registou, no ano passado, um agravamento correspondente às preocupações evidenciadas.
Aliás, o sentimento de insegurança — que constitui, por si só um problema próprio, demarcável das condições objectivas de segurança— comporta uma boa parte de irracionalidade. E é alimentado, não apenas pelos próprios factos, mas pela forma como eles são levados ao conhecimento público; não apenas pela realidade, mas pelos mitos e preconceitos que a rodeiam; não apenas pela actividade dos delinquentes, mas pela percepção, maior ou menor, da sua impunidade; não apenas pela existência de vítimas, mas pela expectativa, maior ou menor, da sua reparação; não apenas pelo cometimento de crimes graves e violentos, mas pela prática comum de delitos menores, incivilidades correntes e vandalismos avulsos, que tornam mais tensa e crispada a vida quotidiana.
De par com a actividade delinquente comum, alguns factos poderão ter exercido influência determinante, ao longo do ano que passou, na criação, manutenção ou reforço do sentimento de insegurança:
1 — A constituição de milícias populares, em localidades e bairros onde se tornaram ostensivos o tráfico e o consumo de estupefacientes, foi um dos fenómenos mais preocupantes do ano de 1995, configurando uma usurpação de funções públicas intolerável num Estado de direito.
Alegando que a polícia — por desinteresse, inoperância, escassez de meios ou constrangimento .legal — deixou de conferir protecção bastante as populações, diversos grupos de autodefesa permitiram-se substituir as autoridades competentes, pacrulhando ruas e estradas, interceptando viaturas, controlando e identificando pessoas.
Da actuação destes «piquetes» resultaram, em alguns casos, agressões a presumidos traficantes e consumidores de droga.
2 — Mais do que os grandes crimes, são frequentemente os pequenos dei/tos e as condutas marginais que contribuem para despertar ou reforçar no cidadão comum sentimentos de vulnerabilidade e desprotecção.
A actividade dos espontâneos arrumadores de automóveis — que enxameiam, entre outras, as cidades de Lisboa e Porto— consubstancia, de modo nem sempre subtil, uma prática continuada de intimidação. Ainda que não se trate de pura extorsão, é como tal percebida: mediante a prévia entrega de moedas, os condutores garantem o resgate dos seus carros em conveniente estado de conservação, livres de riscos e mossas. A compra de protecção, nestas circunstâncias, não dignifica o Estado nem tranquiliza o cidadão.
E pode constituir perigoso precedente para mais graves e elaboradas formas de constrangimento.
A uma boa parte destes arrumadores, não licenciados pelas autoridades competentes, são conhecidas ligações ao consumo e, por vezes, ao tráfico de droga.
As tentativas ensaiadas para disciplinar a sua actividade não provocaram, até agora, alterações dignas de registo.
3 — Ao longo de 1995, vulgarizou-se o recurso ao corte de vias de comunicação — estradas e ferrovias — como forma de protesto das populações.
Queimando pneus, erguendo barreiras, atravessando vigas ou imobilizando viaturas, grupos mais ou menos numerosos, de variável representatividade, pretenderam desta forma concitar o interesse da opinião pública e a atenção das autoridades competentes para problemas de âmbito local (deficiências da rede viária, dos transportes, da sinalização, do saneamento básico) ou contestar a bondade de medidas que os afectam (instalação de incineradoras, lixeiras, aterros sanitários ...).
Esta prática suscita problemas delicados. Por um lado, a audiência das populações necessita de ser garantida, a todo o tempo, por canais próprios e expeditos, por forma a poderem ser consideradas todas as sugestões e apreciados todos os reparos que entendam, muito legitimamente, apresentar. Por outro lado, a plena liberdade que deve ser assegurada, em democracia, à expressão da divergência, da inconformidade e do protesto não pode perturbar o exercício de outros direitos, como o da livre circulação, igualmente respeitáveis e merecedores de tutela. Nesta matéria, importa encontrar o justo equilíbrio de interesses. O fantasma do autoritarismo não pode inibir o exercício legítimo da autoridade.
Além disso, a própria lógica destas acções — cuja eficácia depende, em boa parte, da sua divulgação mediática — determina o recurso a efeitos dramáticos, que a rotina fatalmente desvaloriza e que, por conseguinte, carecem de ser intensificados, numa espiral de radicalização, sob pena de perderem o interesse e deixarem de suscitar a pretendida atenção.
4 — Durante o ano de 1995, verificaram-se preocupantes indícios de intolerância religiosa. Em especial no Norte do País, o rápido desenvolvimento da Igreja Universal do Reino de Deus (IUPvD) e as suspeitas lançadas sobre a bondade dos seus verdadeiros métodos e objectivos provocaram desconfiança, primeiro, e hostilidade, depois, que chegou a traduzir-se em violência física e na perturbação do culto.
A curto prazo, é de prever o abrandamento das manifestações de intolerância religiosa, facilitado pelo propósito, já manifestado por responsáveis da IURD, de inflectir a sua estratégia de expansão, evitando afrontas e privilegiando o apaziguamento e o diálogo.
A médio prazo, não se pode excluir uma inversão de tendências.
Numa sociedade atomizada e materialista, as religiões oferecem, entre outros sentimentos gratificantes, o de pertença a uma comunidade que se interessa por cada um dos seus fiéis e lhe propõe um sentido de vida.
Por estas e outras razões — nas quais se inclui o propício ambiente resultante da aproximação do fim do milénio—, constata-se presentemente um retorno das crenças religiosas. Novas religiões e seitas vêm concorrer, em cada dia que passa, com outras já de há muito estabelecidas, disputando influência e primazia.
Frequentemente; a afirmação de umas consegue-se pela desacreditação de outras —acusadas de charlatanismo, si-monia, manipulação de consciências ou deturpada interpretação dos textos sagrados —, o que pode exaltar os ânimos dos respectivos fiéis e contribuir, a prazo, para o recrudescimento do fanatismo e da intolerância religiosa, traduzida em perseguições e violência.
Perante situações como algumas das ocorridas em 1995 — de que a Verdade Suprema e o Templo So)ar constituem