0007 | II Série C - Número 001 | 22 de Setembro de 2001
crimes se cometeram. Não podemos esquecer também as experiências pseudo-científicas realizadas em seres humanos e as brutais acções desencadeadas em nome de ideologias transpersonalistas com vista a dirigir e a dominar o próprio pensamento de todas as pessoas.
Por estas razões e para prevenir novas violações da dignidade e dos direitos humanos, o Conselho da Europa, organização de defesa dos referidos direitos criada em 1949, aprovou, em 1950, a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Nela foi estabelecida uma nova jurisdição de recurso das pessoas contra o seu próprio Estado, que incluía o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Ao longo de décadas este Tribunal tem reparado as violações de direitos verificadas, repondo os direitos violados e ordenando a indemnização das vítimas.
O Protocolo n.º 6 à Convenção conduziu à abolição da pena de morte em quase toda a Europa. Os 43 países membros do Conselho da Europa ou já a aboliram ou, nos dois ou três casos restantes, não a aplicam há muitos anos.
Posteriormente muitas convenções preparadas pelo Conselho da Europa garantiram outros direitos, nomeadamente sociais e culturais. Lembro a Carta Social Europeia, de 1961, a Carta de Protecção dos Direitos das Minorias, a Convenção contra a Tortura, com a criação de uma comissão especial de investigação, que tem visitado, por exemplo, todas as prisões dos países membros, a Convenção de Protecção Contra o Uso Indevido de Dados Informáticos, etc.
Finalmente, quero referir de um modo especial a Convenção sobre os Direitos do Homem e a Bio-Medicina, assinado em 1997, que protege a pessoa humana contra manipulações genéticas que possam modificar a sua identidade, que disciplina a investigação científica nestes novos domínios que se abriram à ciência, e que pretende evitar novas discriminações com base no conhecimento da identidade genética de cada pessoa. Refiro ainda que já foi aprovado e ratificado o primeiro Protocolo adicional que proíbe a clonagem de seres humanos com fins reprodutivos.
Que faltava então neste sistema assaz completo, sem esquecer evidentemente o sistema, já hoje já hoje aqui tratado,, existente a nível mundial, para, protecção eficaz dos direitos humanos? Faltava a prevenção e punição dos crimes de genocídio, contra a humanidade e de guerra.
Na verdade, o primado da pessoa humana e dos seus direitos inalienáveis, que é anterior e superior ao Estado, exige que este não a possa submeter a outros objectivos, que podem ser importantes, mas que a ela têm de ser subordinados. Não é mais aceitável o princípio da soberania absoluta dos Estados nacionais, bem como as perspectivas que em nome da real politik usem as pessoas violando os seus direitos, com fins de poder ou de promoção de egoísmos nacionais.
Os valores que defendemos são valores universais e têm de ser defendidos e respeitados em todo o lado.
O mesmo acontece em relação aos princípios fundamentais da ética política: o da beneficência; o de não maleficência; o de justiça, a qual tem de ser respeitada e promovida como condição da paz e da equidade; finalmente, o princípio de que os fins nunca justificam os meios.
Depois da II Guerra Mundial, que ultrapassou tudo o que aconteceu na história em desumanidade e mesmo perversidade, como já atrás disse, retomou-se a ideia de criar tribunais penais internacionais que, embora previstos em 1919 no Tratado de Versalhes, não tinham até ai sido constituídos.
Os quatro tribunais ad hoc criados desde então tentaram dar resposta à não aceitação crescente pela comunidade internacional da impunidade dos responsáveis por crimes de genocídio, crimes contra a humanidade ou por crimes de guerra.
O Tribunal Militar Internacional de Nuremberga e o Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente, com sede em Tóquio, foram criados por ter havido vontade política para os apoiar e lhes fornecer os meios humanos, logísticos e financeiros para que pudessem funcionar.
Foram, é certo, tribunais criados unilateralmente, mas não foram injustos. Tentaram e conseguiram promover a justiça e a equidade, reparando e punindo a enormidade dos crimes cometidos. É claro que o fizeram de acordo com as concepções da época, por exemplo, aplicando a pena de morte então ainda aceite por quase todos os países, com excepção de Portugal, Venezuela, julgo que também o Brasil, São Marino e poucos mais países.
Deles ficaram também precedentes importantes para o posterior estabelecimento de um sistema eficaz de justiça penal internacional. Por exemplo, a afirmação do primado do direito internacional, a exclusão do sistema de defesa de arguidos com a justificação de obediência a ordens hierárquicas superiores, a não aceitação da irresponsabilidade ou imunidade de chefes de Estado, entre outros.
Muitos anos depois a criação do Tribunal Penal ad hoc para a ex-Jugoslávia, levada a cabo pelo Conselho de Segurança da ONU em 1993, permitiu punir os crimes de genocídio e contra a humanidade cometidos naquela parte dos Balcãs.
Em 1994 o Conselho de Segurança estabeleceu um novo Tribunal ad hoc para o Ruanda. Neste caso bastante tempo passou e muitos esforços foram necessários até que começasse a funcionar.
A minha posição pessoal sobre estes dois últimos tribunais ad hoc é bastante crítica. Parece-me ser o ponto em que mais me distancio de alguns oradores que antes de mim abordaram esta questão.
Penso que este modelo de tribunais ad hoc está esgotado. Antes de mais, constatamos que eles exigiram tais esforços que levaram o Conselho de Segurança a atingir a situação de "cansaço do tribunal", na conhecida expressão de David Scheffer. Muito do tempo do Conselho de Segurança foi por eles ocupado, as capacidades e os recursos da ONU nesta área foram esgotadas.
Mais importante ainda: tais tribunais aparecem como tribunais de vencedores, que só julgam cidadãos de países ou movimentos vencidos. Por outro lado, perguntam muitos por que razão só se julgam estes crimes cometidos em apenas dois países, esquecendo crimes igualmente graves cometidos na mesma década noutros países, como a Serra Leoa, o Sudão, onde houve já mais de dois milhões de mortos, muito mais que na ex-Jugoslávia e no Ruanda, a Somália, a República Democrática do Congo, o Afeganistão, sem esquecer evidentemente Timor Leste, entre outros. Ora, a justiça tem de ser aplicável a todos por igual. Caso contrário não é justiça, nacional ou internacional. Não pode haver dois pesos e duas medidas.
Finalmente, a existência daqueles tribunais depende da vontade do Conselho de Segurança que lhes deu vida. Em princípio, devem desaparecer após a verificação da manutenção da paz e da segurança.
São conhecidas as especiais dificuldades com que vem deparando o tribunal ad hoc sobre o Ruanda. Muito recentemente, há poucas semanas, um relatório do Internacional Crisis Group veio apontar a incúria, a apatia, até mesmo