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6 | - Número: 001 | 18 de Setembro de 2010

acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, o Estado tira proventos a dobrar: num e noutro caso, para mais, de bens que adquiriu de um modo hoje consensualmente considerado ilícito.
Vender duas vezes, arrecadar receitas duas vezes, sem nada restituir à Irmandade, não pode deixar de impressionar como um resultado desequilibrado, iníquo, injusto e, por conseguinte, a carecer de reparação.
A missão constitucional do Provedor de Justiça não se circunscreve à defesa da legalidade, antes se incumbe este órgão do Estado de prover à reparação de injustiças (artigo 1.º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril) de par com o aperfeiçoamento da acção administrativa (artigo 22.º, n.º 1, alínea c)).
A pergunta que anteriormente o meu antecessor formulava, e sem dela obter resposta cabal — acerca do motivo por que insistia o Estado intransigentemente em exigir preço por um imóvel cuja única utilidade é a de prover ao culto — é uma pergunta a que hoje acresce outra. Não basta ao Estado a receita obtida com a alienação do Convento de Santa Joana para exigir ainda um preço pela restituição da Igreja de Santo António de Campolide? O edifício, pela sua agravada deterioração, encontra-se em condições lamentáveis para servir à prática religiosa ou a outra utilização colectiva, compromete a razão de ser da classificação arquitectónica que o Estado lhe reconheceu e permanece pouco honrosamente como vestígio dos actos de espoliação e confisco indignos de um Estado de direito, que a história julga hoje com reprovação.
A jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos do Homem tem-no afirmado, relativamente ao confisco de bens eclesiásticos nos Estados da antiga órbita soviética, como no confisco revolucionário turco ou grego3, mesmo em situações anteriores à Convenção Europeia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais e ao Protocolo Adicional n.º 1, respeitante às garantias da propriedade privada.
Insisto, Sr. Ministro, na oportunidade que representa o Centenário da Implantação da República como ocasião particularmente propícia à solução deste diferendo. Admitirá comigo que as comemorações não devem ficar-se pela memória e evocação dos acontecimentos. Antes interpelam a actos concretos e positivos que não deixem dúvidas sobre como o Estado encara, no presente, a separação entre o Estado e as igrejas, num pressuposto de reconhecimento do seu papel social e cultural.
O que, de modo algum, me parece de aceitar é a simples oposição do Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de Agosto, e das disposições orçamentais que impedem a alienação gratuita de imóveis do Estado.
Estamos fora do âmbito de aplicação dessas normas. Trata-se de dar cumprimento a uma decisão judicial que o decurso do tempo deixou em aberto por via de uma solução transitória: a cessão da utilização da Igreja de Santo António de Campolide. Transitória porque, como se viu, o cumprimento na datio pro solvendo apenas tem lugar quando a prestação estiver em condições de satisfazer a obrigação na mesma medida. Este facto nunca teve lugar.
Todavia, a julgar-se necessário fazê-lo, sempre pode o Governo usar da sua competência legislativa própria (artigo 198.º, n.º 1, alínea a), da Constituição) para proceder à reparação da iniquidade que se vem perpetuando com prejuízo para todos.
Renovo, Sr. Ministro, a minha convicção de se encontrar o Estado perante uma verdadeira e própria obrigação jurídica. Contudo, a não ser assim entendido, queira considerar o dever de justiça que reflecte um imperativo de ordem moral e social, como é característico das obrigações naturais (artigo 402.º do Código Civil).
Em face de quanto vem exposto, e nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, Entendo recomendar a V. Ex.ª, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, que, pelo instrumento que considere mais adequado, venha o Estado a restituir gratuitamente ao Patriarcado de Lisboa ou à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e do Senhor Jesus dos Passos da Santa Via Sacra a Igreja de Santo António de Campolide, tomando como contrapartida a renúncia a todos e quaisquer direitos sobre o produto da venda do antigo Convento de Santa Joana, sito à Rua de Santa Marta, em Lisboa. 3 Por Acórdão de 1/9/1997 (SANTOS MOSTEIROS V. GRÉCIA), o Tribunal Europeu de Direitos do Homem confirma a reprovação dos encargos financeiros impostos pela Administração grega a oito mosteiros ortodoxos para reaverem imóveis de que tinham sido arbitrariamente privados. Também o PATRIARCADO ECUMÉNICO DE CONSTANTINOPLA obteve ganho de causa contra a Turquia, a respeito de um imóvel que adquirira em 1902 e de cuja propriedade fora privado pela REPÚBLICA DA TURQUIA, em 1935.(Acórdão de 8/7/2008).Recentemente, numa questão que opôs uma comunidade dos velhos crentes ortodoxos à República da Letónia, por Acórdão de 15/9/2009 (MIROLUBOVS E OUTROS V. LETÓNIA) o Tribunal Europeu de Direitos do Homem, sublinha que, «segundo jurisprudência constante (...), a noção de bens contida no artigo 1.º, do Protocolo n.º1, pode cobrir tanto os bens actuais como valores patrimoniais, compreendendo créditos, em virtude das quais a requerente pode ao menos ter uma expectativa legítima de obter o gozo efectivo de um direito de propriedade».