5 DE MAIO DE 1988 219
- direitos fundamentais -, se alcança por essa via. Nós propomos, como já foi aqui justificado, também sem carácter absoluto e com grande abertura, a eliminação da remissão ou referência à Declaração Universal. Nessa perspectiva, porque entendemos que a nossa Constituição é porventura mais rica na enumeração dos direitos, como fizemos a proposta e reconhecemos que este elemento coadjuvante é fundamental, passamos para o texto do n.° 2 do artigo 18.° o essencial do artigo 29.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem e, porque já se revelou não ser suficiente, sendo, como tal, inútil, não nos limitamos a esta pura referência aos casos expressamente proibidos na Constituição.
Por que é que preferimos a referência a "princípios e valores" e não a "direitos e interesses", como propõe o PS, concretamente o Sr. Deputado Almeida Santos? Porque entendemos, como o Sr. Deputado, que ambos têm consagração jurídica. Simplesmente, a lei e a Constituição acolhem princípios e valores, mas fazem deles -designadamente de muitos dos enunciados no pórtico da nossa Constituição, com alguns dos quais não estamos de acordo, como é sabido - a matriz das várias soluções constitucionais, enquanto os direitos e interesses são precipitados normativos positivos. Entendemos que são referências de alcance muito diferente a que se faz a princípios e valores e a que se faz a direitos e interesses. Como tal, entendemos preferível - aliás, na lógica da alteração proposta para o artigo 16.° - que aqui se refiram princípios e valores. E entendemos que assim o preceito não fica reduzido, mas sim, porventura, com maior utilidade do que a que tem no actual n.º 2, que não dispensa a tal excursão à Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Foi o sentido da proposta: só propomos alteração para o n.° 2, e com este alcance.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Em primeiro lugar, queria regozijar-me com o esclarecimento de que afinal o CDS não propõe a eliminação do n.° 3 do artigo 18.° Com certeza, não foi só por pensar em mim, como o Sr. Deputado Nogueira de Brito deu a entender, que fez essa rectificação...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - É um lapso, porque não foi apenas a pensar em si. Pensei em si, porque a sua crítica foi a mais dura. Mas é um lapso do resumo do texto do projecto, que leva a concluir claramente que não propusemos a eliminação.
O Sr. Raul Castro (ID): - Naturalmente, a rectificação do texto que faz o resumo das propostas das várias forças políticas é positiva e não será só pela minha parte que poderá merecer concordância e satisfação.
Em relação à proposta concreta do CDS, de tudo aquilo que o Sr. Deputado Nogueira de Brito referiu não fica nenhuma razão - parece-me - para substituir a expressão "interesses" por "princípios". De qualquer forma, visto que esse número do artigo pretende limitar ao mínimo os casos de restrição de direitos, naturalmente que a expressão "princípios" é mais vasta do que a expressão originária do texto constitucional, ou seja, a palavra "interesses". Foi por isso que não pudemos dar-lhe a nossa concordância.
O Sr. Presidente: - Suponho que as explicações que deu clarificam suficientemente a situação, apesar de o Sr. Deputado José Magalhães ter pedido a palavra.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Quero apenas dizer que foi positivo ter o Sr. Deputado Nogueira de Brito tornado bastante claro que só por lapso se propunha aquilo que constava de relatórios que não pudemos certificar e debater com a devida atenção, talvez, no âmbito da subcomissão, o que é um alerta para o trabalho futuro. O CDS apareceu propondo uma solução que é irrazoável e seria de uma enorme gravidade política.
Em relação à questão política, creio que o debate é útil e elucidativo e deixa tudo isto em aberto, ou seja, a questão técnica de saber se será preferível para o objectivo proclamado seguir a via que é proposta pelo CDS. Devo dizer que, face aos resultados da discussão anterior e mesmo aos resultados das informações e à troca de impressões que já teve lugar nesta reunião da Comissão, não há razões para pensar tal. O Sr. Deputado Nogueira de Brito, de resto tal como os outros representantes do CDS, exprimiu, em relação a todo o enquadramento constitucional da questão da Declaração Universal dos Direitos do Homem e à relevância jurídica assumida na ordem interna desse instrumento, pontos de vista que não podemos sufragar. Temos uma outra posição quanto ao seu valor como princípio interpretativo e parece-nos que, dada a natureza de ordem constitucional dos direitos fundamentais da Declaração Universal, qualquer invocação contra constitutionem ou para efeitos de restrição, ainda que com o objectivo de mera compatibilização de direitos, seria ilegítima.
De resto, fizemos ao longo dos anos em Portugal um debate bastante positivo, que veio permitir sedimentar algumas ideias, outrora bastante perturbadoras e que conduziram a que uns opusessem a Constituição à Declaração e a Declaração à Constituição, o que e inteiramente ilegítimo. Quero dizer que um dos pilares do raciocínio do CDS nos parece débil e não subscriptível, na medida em que não atribuímos à Declaração Universal o valor que o CDS parece pressupor. Por isso, não queremos eliminar a referência constitucional à Declaração Universal dos Direitos do Homem, até por aquilo que ela significa de património da luta dos democratas portugueses em torno da instauração de uma ordem jurídica dos direitos fundamentais conforme a imperativos democráticos. Mas, como temos do valor jurídico e da projecção jurídica interna da Declaração uma visão que não se identifica com a que o CDS aqui trouxe, não nos parece que a solução aventada seja mais azada. Essa solução - em duas palavras - parece resumir-se a isto: suprima-se a referência à Declaração Universal dos Direitos do Homem no n.º 2 do artigo 16.°, suprimam-se no artigo 18.° as baias, regras e critérios aplicáveis à restrição de direitos. É essa a receita, é essa a síntese. Também aqui, rejeitado o primeiro pressuposto, haveria sempre que rejeitar o segundo.
Devo dizer que há problemas, seguramente, de compatibilização de direitos, mas também há, dentro das regras hermenêuticas a que estamos sujeitos constitucionalmente, meios e possibilidades de ultrapassar essas dificuldades de compatibilização. Creio que todas as cláusulas gerais e todas as invocações de princípios, critérios e elementos axiológicos são extremamente perigosas para a tarefa hermenêutica a empreender; creio que todas as soluções no sentido de fixar limites em concreto ou cláusulas autorizativas no texto constitucional envolvem dificuldades enormes.