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19 DE MAIO DE 1988 337

constituição de uma equipa jornalística passa, por um lado, por um grande momento de reflexão inicial, no quadro do qual se estabelece aquilo a que se chama o estatuto editorial, mas depois passa - como o Sr. Deputado Almeida Santos muito bem sublinhou- por um esforço contínuo, ou seja, por uma tensão que não se esgota no momento inicial, mas que se verifica no dia-a-dia. Trata-se de uma luta contínua que é, na orientação constitucional que hoje está também plasmada em lei, um esforço institucionalmente suportado, havendo por essa razão conselhos de redacção e sendo também por isso que os jornalistas, além de terem a sua voz própria, deverão resistir à censura e bater-se pelo cumprimento da Constituição, da lei e do estatuto editorial, combatendo designadamente as quebras a esse mesmo estatuto e recusando toda a espécie de degenerações em relação a ele, qualquer que seja, lendo para isso meios próprios, para alem, naturalmente, dos seus sindicatos, do Conselho de Imprensa e de outras fórmulas.

Tudo isto coexiste harmoniosamente e se chama "intervenção na orientação ideológica". Quanto ao porque da expressão "ideológica", a Constituição não é difícil de interpretar: num caso trata-se de intervir em jornais que podem ter orientações diferentes em diversas gamas, em diversas cambiantes e segundo diversos critérios definidos pelos interessados. No caso dos jornais do Estado, sendo esses jornais não de um partido - coisa que compreendo que o PSD tenha dificuldade em perceber -, mas do sector público, devem reger-se por outros critérios e devem reflectir e projectar, acima de tudo, um determinado pluralismo político, social e cultural para as suas páginas ou para as suas ondas. Tal e a regra, tal é o critério.

Consequentemente, os jornalistas não podem ter nesses jornais - porque eles são de todos - o papel que têm nos jornais que são de alguns, ou seja, em relação aos casos de propriedade pública, não há razão para que sejam detentores dos mesmos direitos que têm perante a propriedade privada.

Eu compreendo que o PSD, que quer erigir a propriedade privada em direito capitular dos direitos, liberdades e garantias, entenda também transportar essa concepção para os proprietários de jornais, de estações de rádio e, quiçá futuramente, de televisões, mas creio que isso mata de jure um elemento estruturante da Constituição que o PSD se esforça iodos os dias por matar na vida. Creio lambem que se não o podemos impedir de o fazer no outro tabuleiro senão pelos meios próprios - e nisso insistiremos -, neste podemos seguramente fazê-lo. É o que tentaremos pela nossa parte.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que este problema é suficientemente importante para que se tente fazer uma análise um pouco mais profunda. No fundo, este artigo, para além de ser marcado historicamente, revela, sobretudo se o cotejarmos também com o artigo relativo à propriedade pública dos órgãos de comunicação social, um certo tipo de orientação que e contrário àquele que anima a proposta do PSD, mas que não pode reduzir-se, sob pena de uma visão muito estreita e obcecada pelos problemas da propriedade, as questões pura e simplesmente capitalistas.

Em primeiro lugar, é interessante considerar que se pressupõe neste preceito claramente que os órgãos de informação tem uma orientação ideológica, o que talvez seja uma consideração realista, mas, depois, não se percebe bem por que toque de mágica os órgãos do Estado, sendo também órgãos de informação, não têm orientação ideológica. É, evidentemente, uma pura e simples ficção e é uma ficção animada por uma outra ideia, a de que aquilo que é actividade estadual é em si bom e positivo, perfilhando a regra de que as coisas se vão processar sempre da melhor maneira possível, pois o bem comum é algo que está correcto, e de que aquilo resulta da iniciativa da sociedade civil, do livre jogo da liberdade e da actividade empresarial tem, à partida, uma marca necessariamente negativa e uma depreciativa conotação capitalista. Ora, nós não subscrevemos essa ideia, mas a ideia diferente de que é importante que a sociedade civil seja suficientemente pujante e que, no seu pluralismo, encontre as fórmulas capazes -naturalmente, sob a vigilância e a arbitragem do Estado nos casos em que ela é requerida e necessária - de garantirem os equilíbrios e os próprios direitos das pessoas.

Há aqui um problema ideológico extremamente importante e, efectivamente, insisto que não é possível compreender o artigo 38.° sem compreender o artigo 39.°, pois o próprio artigo 38.° pretende, de uma maneira muito clara, que, em relação ao Estado, esse problema ideológico não se põe e nem sequer se põe o problema da intervenção dos jornalistas, justamente por atribuir essa nota positiva ao Estado, pela concepção filosófica como perspectiva as relações entre a sociedade e o Estado. Há ainda uma outra questão para a qual gostaria de chamar a vossa atenção, questão essa que, aliás, referi há pouco estar em conexão com a primeira e que é a seguinte: é que este artigo significa, de qualquer modo, uma diminuição ou restrição ao direito de fundação e gestão das empresas jornalísticas, o que, de algum modo, se traduz numa limitação à liberdade de imprensa no seu conteúdo amplo. Por outro lado, o próprio conceito de jornalista é um conceito que não é claro e nós sabemos, por experiência, que o jornalista acaba por ser lodo aquele que tem uma carteira de jornalista e que trabalha nos jornais. Ora, entre isso e a liberdade de criação artística vai por vezes uma grande diferença, infelizmente, e esse é um ponto que pode permitir e que tem permitido também instrumentalização dos jornalistas. Isto é, não há nunca nenhum sistema que garanta, de uma maneira absoluta, que as coisas funcionem bem, e um sistema que acentua um aspecto corporativizante, por ele próprio, não dá essa garantia.

Isto dito, gostaria de sublinhar que reconhecemos que este problema é um problema delicado, difícil e que, como em iodas as coisas, as aproximações sucessivas permitem que nos aproximemos de soluções mais equilibradas, se houver boa fé, na procura daquilo que e o mais conveniente. Nós compreendemos que todas as soluções têm os seus inconvenientes e, por conseguinte, não esquecemos que existem efeitos perversos nas soluções que nós próprios propomos. Isto tem de ser dito para evitar interpretações mais apressadas e ad hominem ou ad partidum.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ad factionem!

O Sr. Presidente: - Isso é um pouco mais depreciativo, Sr. Deputado.

Para terminar, gostaria de dizer que a experiência que tem sido praticada em certos países, designadamente nos países onde existe a real liberdade de imprensa -que são os países do Ocidente -, não tem sido no sentido de favorecer meios de comunicação social pertencentes ao Estado, nem tem consignado normas constitucionais como a do n.º 2 do artigo 38.º Ora, penso que a liberdade de imprensa de que têm dado provas inequívocas, por exemplo, a Grã-Bretanha, os Estados Unidos da América, a França e a Alemanha é suficientemente elucidativa de que os sistemas aí adoptados não representam apenas uma visão instrumentalizada por grupos capitalistas, embora cumpra acautelar alguns riscos.