338 II SÉRIE - NÚMERO 12-RC
Em comparação com o leste europeu, fica-se, todavia, a ganhar em termos de democracia e de liberdade de informação. Este problema da estruturação das empresas jornalísticas deve ser resolvido em termos de garantia institucional, no sentido dado por Carl Schmitt, do que como direito fundamental.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, a expressão "orientação ideológica" também me não agrada. Ela foi introduzida na Constituição num momento em que se falava muito de ideologia e não me parece uma expressão feliz. Não sei se alguma haverá melhor para a substituir. Talvez "orientação doutrinária". Embora eu saiba que podem ser suscitadas dúvidas, pois a palavra "doutrinário" tem um sentido muito impreciso, tal como, aliás, a palavra "ideologia".
Ocorreu-me também a expressão "orientação editorial", mas afigura-se-me que tal seria talvez ir demasiado longe. A minha intervenção destina-se apenas a transmitir que partilho da sua preocupação relativamente ao inconveniente do termo "ideológico". Acho que se poderia fazer um esforço para encontrar outro que exprimisse a intenção que se quer manter no texto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, penso que estamos situados num domínio de grande dificuldade quanto a alguns aspectos, porventura excessivamente datados, que estiveram na base da actual redacção constitucional, tal como ela hoje nos surge, e, por isso mesmo, diria que estamos colocados num domínio em que seria desejável - e faço, à partida, essa profissão de fé - que pudéssemos comungar de um largo consenso quanto às soluções que venham a poder adquirir-se nesta matéria. E passo a enunciar alguns dos aspectos que me parecem ser os ângulos dos problemas que temos pela frente.
Em primeiro lugar, quanto à questão da restrição do direito dos jornalistas na orientação de órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado, a partidos políticos ou a confissões religiosas, ver-se-á que o único partido que propõe a supressão desta restrição é o PRD e tenho pena que não esteja aqui presente nenhum seu representante para fundamentar a razão de ser da sua iniciativa. O que é pressuposto no princípio de restrição - penso eu - é que, designadamente na orientação dos órgãos do sector público, haveria, e há ainda, na arquitectura constitucional uma entidade que tem justamente por atribuição fiscalizar e garantir uma orientação objectiva, religiosa e pluralista - o Conselho de Comunicação Social.
Pensou, portanto, o legislador constitucional, quando definiu este modelo, que, na imprensa em geral, um conjunto de direitos na participação e na orientação ideológica caberia aos jornalistas membros das respectivas redacções e que, quando se tratasse de imprensa do sector público, existiria um órgão com essa função específica. A questão está agora em saber se o domínio futuro do sector público justificará esta destinção de tratamento ou se valerá a pena fazermos um esforço no sentido de não discriminar direitos dos jornalistas, independentemente do órgão de comunicação social em que trabalham.
Este é, a meu ver, um ponto que deve merecer a nossa consideração e veja-se o que pode resultar se o modelo não for devidamente acertado. No caso, o PSD, por exemplo, pretende desconstitucionalizar o Conselho de Comunicação
das funções de fiscalização e de garantia. Mas, se, por um lado, pretende fazê-lo, por outro lado mantém, no artigo 38.° e na formulação que propõe, o princípio da restrição dos direitos dos jornalistas, o que implica uma consequência que me parece um pouco pérfida. Ou seja, por um lado, manter-se-ia uma restrição aos jornalistas na sua possibilidade de participarem na orientação, e, por outro lado, desconstitucionalizar-se-ia o órgão que deve velar por essa independência, por esse pluralismo e por essa objectividade. Por consequência, nestes casos, se adoptássemos o modelo que agora o PSD nos propõe, teríamos virtualmente todo um conjunto de meios de comunicação social que subsistiriam no sector público totalmente dependentes de orientação da tutela, já que não se consagrariam os direitos de participação elementares para garantir uma isenção mínima desses mesmos órgãos de comunicação social.
Este é, na verdade, um problema que me parece ser contraditório na proposta do PSD, mas se se revela esta contradição na respectiva proposta, não posso deixar de reconhecer que o modelo que subsiste na Constituição é um modelo que apresenta duas lógicas: uma lógica de intervenção dos jornalistas na imprensa privada em geral e uma lógica de diminuição do. capacidade do intervenção dos jornalistas na imprensa do sector público, dos partidos e das entidades religiosas. Isto tem colocado, na prática, graves dificuldades e dou-lhes, de momento, um exemplo: sabemos que hoje, ao nível da rádio - e vale a pena dizer as coisas com toda a sua verdade -, existem duas estações emissoras de cobertura nacional, uma pública e outra não pública, pertencente indirectamente, em termos de acepção jurídica, a uma igreja.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Pode precisá-las, Sr. Deputado?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Naturalmente, estou-me a referir - e toda a gente o sabe - ao facto de existirem duas estações de cobertura nacional, a RDP e a Rádio Renascença. Ora, à luz do n.° 2 do artigo 38.°, a Rádio Renascença não permitiu até hoje, por exemplo, que os jornalistas que trabalhem nessa estação emissora constituam conselhos de redacção, justamente em nome da norma que limita a intervenção dos jornalistas em órgãos de comunicação social pertencentes a confissões religiosas.
Também não desconhecemos, portanto não deveremos estar aqui num corte com a realidade, que esta estação emissora tem um projecto editorial mais vasto que passa por se candidatar - e está no seu pleníssimo direito, não estou a contestar isso, de maneira nenhuma - a um canal nacional de televisão. Adoptando-se o mesmo critério, teríamos futuramente os mais poderosos meios de comunicação social em Portugal, por aplicação desta norma constitucional, à margem da possibilidade de intervenção dos jornalistas que nesses meios de comunicação social trabalhassem. Penso que a percepção destes problemas nos deve fazer meditar sobre as implicações que tem, tal como se encontra, o n.º 2 do artigo 38.° quanto à limitação da intervenção dos jornalistas. Isto para dizer, com toda a franqueza, que veria com bons olhos uma solução que nos permitisse não excepcionar os direitos dos jornalistas, a não ser em casos estritamente previstos e muito melhor delimitados. Este seria um ponto.
Outro ponto que gostaria de referir é a questão da participação na intervenção ideológica. Suponho que o conceito de intervenção ideológica corre o risco de ser, por um lado, excessivamente abrangente e, por outro lado,