744 II SÉRIE - NÚMERO 25-RC
na medida em que neste domínio esta discriminação pode ser um pouco chocante. Noutros domínios, concebo perfeitamente que os direitos dos trabalhadores justifiquem o "favor". Porém, uma vez que este direito está já consagrado na Constituição, não pretendemos eliminá-lo. Sinceramente, não nos vemos a aderir facilmente a uma solução dessas. Por outro lado, o facto de este direito estar constitucionalmcnte consagrado não tem criado qualquer problema.
De qualquer forma, trata-se aqui de uma orientação no sentido de que quem trabalha e tem dificuldades acrescidas deve nessa medida ter algumas facilidades acrescidas. É o caso do trabalhador que tem de conciliar o trabalho com o estudo. Se não lhe forem dadas facilidades, como poderá ele fazer essa conciliação? Quanto ao filho de trabalhador, pressupõe-se que o trabalhador pertence à classe mais humilde deste país e que o filho terá algumas das dificuldades que tem o pai. Trata-se, pois, de uma extensão da discriminação positiva relativa aos trabalhadores. Na primeira formulação, este preceito estava redigido de forma mais chocante, falando-se nos "filhos das classes trabalhadoras", referencia que na revisão constitucional de 1982 foi eliminada. No entanto, com a formulação actual, não existe, a meu ver, nenhuma razão irrecusável para a sua eliminação.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, provou-se avisada a sugestão que eu tinha feito no sentido de não usar da palavra antes de o PS se exprimir, porque verdadeiramente o meu camarada Jorge Lemos tinha emitido um conjunto de juízos críticos em relação à posição do PSD nesta matéria. Faltava naturalmente apurar outras posições, sendo justa curiosidade a nossa em relação à posição assumida pelo PS sobre este ponto. A intervenção do Sr. Presidente acaba de o comprovar cabalmente.
O Sr. António Vitorino (PS): - Não sei se se provou que foi avisada ou se foi meramente oportuna.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado António Vitorino, admito que seja as duas coisas, o que não me poderá ser censurado. Talvez o contrário, eventualmente, o fosse.
Sr. Presidente, creio que nesta matéria não é de surpreender e não foi desapontador, ao contrário do que receou a Sra. Deputada Assunção Esteves, que o PSD nos tivesse aqui vindo trazer a posição que trouxe. O PSD fez aqui a exaltação ou a apologia bastante confusa de uma meritocracia, mais ou menos mercantil, assente na exaltação das capacidades tomadas como uma abstracção e esquecendo que atrás de certas "incapacidades" e de certas "capacidades" estão realidades de carácter económico, social e cultural bastante profundo.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Para a correcção de desigualdades há outros mecanismos. Não é o eventual sacrifício do ensino que vai corrigi-las ...
O Sr. José Magalhães (PCP): - No sistema da nossa Constituição, o facto de se estabelecerem discriminações positivas a favor dos trabalhadores e dos filhos dos trabalhadores não constitui um sacrifício do ensino, mas sim, pelo contrário, uma forma de evitar que certas desigualdades se perpetuem e se agravem e de evitar que alguns vejam acrescidos privilégios enquanto outros são sacrificados -aí sim a palavra é usada com propriedade - e discriminados, que é a palavra exacta para aludir a essa realidade.
O grande drama das propostas do PSD é que ou são o contrário daquilo que diz que são, caso em que surgem como totalmente inúteis, ou então são perniciosas. Se o PSD, que não suprime a alusão a um princípio de igualdade, de garantia da igualdade de oportunidades, visa que certas desigualdades não possam consumar-se e prevalecer na escola, então a boa via, a originária, a directa, a que se explica com todas as palavras, é dizer quem são, em regra, as vítimas das desigualdades na nossa sociedade: são os trabalhadores e os filhos dos trabalhadores. É esse o "nome da rosa". A garantia da igualdade de oportunidades num país como o nosso, com estas características, com esta matriz social, passa pela garantia aos trabalhadores e aos filhos dos trabalhadores das possibilidades de acesso à universidade. A norma constitucional tem um sentido muito preciso: ela visa, entre outras coisas, permitir normas que estabeleçam quotas de acesso para filhos de trabalhadores ou para estudantes-trabalhadores. E suponho ser isto que horroriza a Sra. Deputada Assunção Esteves, isto é, que se possam estabelecer quotas, que não possam formular-se sistemas "meritocráticos" que digam esta coisa profundamente perversa e hipócrita: "Que ganhem os melhores." Depois, os melhores seleccionam-se da seguinte forma: o mçnino Errnciindo tem direito a exn!icsdor e a acesso pivilegiado porque, "tumba, tumba, tumba", fornecem-lhe noções e outros elementos que lhe permitem desenvolver as suas excelsas capacidades, e o outro, sem explicador, sem ensino privado a altere, sem direito a acesso privilegiado a meios de informação e de formação, esse, por "acaso", pelo "jogo normal do mercado", não tem acesso à universidade, é um "incapaz". Coisas do mercado, coisas da sociedade, coisas de igualdade de oportunidades, que é mais igual para uns do que para outros! Ora foi esta visão - que no fundo é darwiniana, assente numa exaltação, puramente abstracta, de uma igualdade postiça e totalmente desmentida pelas realidades cruas do mercado- que a Constituição quis postergar. E é este espírito, é isto tudo que impressiona o PSD, o que não nos desaponta absolutamente nada. Apenas confirma uma determinada concepção que une na mesma adoração velhos falaces e certos bem sucedidos que passaram pela universidade indiferentes às selvas de discriminações e desigualdades brutais.
Não desfazemos tudo isso a golpes de Constituição, mas, ao menos, que não se piore essa realidade através da supressão de cláusulas que permitem discriminações positivas. A luta pela sua efectivação é coisa que passa por outros mecanismos, que fia bastante mais fino e que abre caminho para combates de outra natureza. Porém, no plano constitucional esse desmantelamento é evidentemente pernicioso e o PSD poderia também usar aqui de maior franqueza. A Sra. Deputada Assunção Esteves foi neste ponto razoavelmente mais franca. Mas ao ser mais franca do que o Sr. Deputado Costa Andrade, a Sra. Deputada Assunção Esteves tornou totalmente nua a natureza desigualitária da proposta e do projecto de educação do PSD. Essa clarificação não é inteiramente inútil, mas torna mais cabal e mais justificada a nossa votação contra qualquer proposta deste tipo. Congratulo-me pelo facto de, tanto quanto me pareceu, não estar indiciada uma votação eficaz nessa matéria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Pretendia apenas colocar uma pergunta ao Sr. Deputado José Magalhães, antecedida de uma pequena observação.