13 DE JULHO DE 1988 739
algumas reticências, para não dizer mesmo uma crítica veemente e frontal. Aqui a faço, para todos os efeitos.
Nenhum de nós ignora o debate que se tem estabelecido em tomo do artigo 75.° da Constituição. Existiu na primeira revisão constitucional, teve momento bastante alto na altura em que se debateu a legislação ordinária sobre esta matéria e é um tema fulcral no debate político e legislativo corrente neste preciso momento. A Constituição consagra um sistema público de ensino que tem de ser universal por um lado (no sentido exacto de que tem de englobar todos os tipos e áreas necessários à satisfação do direito ao ensino) e por outro geral (isto é, deve responder obrigatoriamente às necessidades de toda a gente).
O Estado deve criar uma rede pública de ensino que seja susceptível de dar resposta a tudo isto. Não deve existir necessidade de ensino sem resposta pública e a resposta pública deve ser adequada para que todos os que têm a necessidade a vejam satisfeita, devendo os outros estabelecimentos, designadamente os de carácter privado e cooperativo, inserir-se no sistema, mas com o carácter decorrente do artigo 75.° e não outro. Este é o primeiro patamar de raciocínio a fazer nesta matéria.
Segundo patamar de raciocínio: o Govêrno aprovou recentemente legislação na qual pretende plasmar uma perspectiva contrária a esta, considerando que onde haja estabelecimentos privados, e creio que cooperativas, de ensino o Estado se deve abster de exercer o seu dever de criar uma rede de estabelecimentos públicos. Entende-se que estando "satisfeitas" as necessidades dos cidadãos através de estabelecimentos privados e cooperativos o Estado fica dispensado de intervir através da criação de estabelecimentos públicos, entendimento que quanto ao PCP não tem a mínima cobertura constitucional.
É evidente que a substituição da cláusula constitucional em vigor pela cláusula proposta pelo PSD significaria uma alteração do quadro, e uma alteração que não se pode qualificar como mínima. É bastante diferente uma cláusula que proclama o sistema público de ensino universal e geral e uma cláusula que diz que o Estado assegurará o direito ao ensino mediante uma rede "adequada" de estabelecimentos públicos. O que eu não ouvi nesta sala a propósito de propostas em que o meu partido falava de medidas "adequadas" e a propósito do espaço bastante vasto que se recobre através da alusão contida no adjectivo "adequado". Adequado pode ser muita coisa, em função dos momentos, etc. Agora uma coisa é certa: pode não ser universal em geral. Ora, o sistema é universal, deve ser universal, é geral e deve ser geral. É isto que a Constituição estabelece. O que o PSD estabelece é muito diferente. Portanto, não vale a pena o Sr. Deputado Cosia Andrade diminuir o alcance da proposta. Esta é uma proposta chave do PSD, esta é uma proposta radical do PSD, uma proposta maximalista do PSD e cuja aceitação por qualquer partido susceptível de formar maioria de dois terços alteraria fulcralmente a natureza do sistema de ensino português. Não tenho dúvida nenhuma sobre isto: tal norma propiciaria ao legislador ordinário uma margem de manobra para inverter e para criar um sistema público minimalista, um sistema público mínimo, circunscrito a alguns graus de ensino, quiçá ao grau mínimo, por assim dizer, ao básico, e, por outro lado, para conter a expansão do sistema de ensino público, designadamente nos graus superiores, permitindo ao ensino privado o domínio e a penetração nos sectores mais relevantes, constituindo seu monopólio com abstenção das entidades públicas. Tal seria da maior gravidade, nada compatível com a Constituição neste momento, mas poderia passar a ser compatível, assim obtivesse a maioria adequada para esse efeito. Portanto, Sr. Deputado Costa Andrade, se o pretende obter, ponha em cima da mesa tudo, não vale a pena ocultar ou ladear as implicações atómicas da proposta que apresentou.
Quanto ao n.º 2, insere-se na mesma filosofia, visa, diz o Sr. Deputado Costa Andrade, suprimir uma suspeição. Essa suspeição, se existia, atenuou-se ou anulou-se ao longo do tempo. Neste momento o risco é ao contrário, é o existir um "favor" que tutele o ensino privado em detrimento do ensino público. É essa correlação viciosa, ou perversa, ou invertida, que está estabelecida na nossa circunstância política e no nosso panorama do ensino. Ninguém suspeita que o PSD tenha alguma estatolatria, ou esteja em risco de avançar sobre a escola privada no sentido de a tutelar, a enfeudar ou comer. Não creio que seja esse o risco, e não é de agora que o estou dizendo. Portanto, e em relação ao n.° 2, Sr. Deputado, se a ideia de que há um ensino particular e cooperativo com uma possibilidade de expressão plena, dentro de determinado quadro e sem prejuízo do ensino público, é evidente e banal, uma coisa que ninguém contesta entre nós, o projecto e a filosofia que o PSD apresenta para enquadrar a proposta contida no n.° 2 deste artigo do seu projecto de revisão constitucional tem pressupostos de inversão do status que, tem pressupostos de concessão ao ensino particular e cooperativo de um estatuto e de um conjunto de prerrogativas que significariam uma perspectiva invertida em relação àquela que consta do texto constitucional. Disso nos dissociamos completamente e o PSD tinha tudo a ganhar se não escondesse a natureza real das suas propostas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Aqui está uma intervenção que eu não criticaria veementemente e que até ouvi com gosto. Discordo dela, mas tenho de a respeitar.
Acrescentaria apenas uma nota em relação à intervenção do Sr. Deputado José Magalhães. Quero dizer-lhe que não é nosso intuito substituir o sistema de ensino público por um sistema minimalista, porque não acreditamos que um sistema público minimalista garantisse, designadamente, o seguinte: "todos têm direito ao ensino, com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar" (artigo 74.°, n.º 1); "assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito"; "criar um sistema público de educação pré-escolas; "garantir a educação permanente e eliminar o analfabetismo"; "garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística". É com esta espessura que entendemos o direito ao ensino, que o Estado é obrigado, segundo a nossa proposta, a assegurar através de uma rede adequada de estabelecimento públicos. É isto, e apenas isto, o que propomos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Deixaria ou não de ter de ser universal e geral? O ensino particular e cooperativo deixaria ou não de ser uma solução, não apenas paralela como actualmente é, mas uma solução possivelmente substitutiva, total ou parcialmente, em determinadas áreas hoje ocupadas pelo ensino público?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, eu não tenho nenhuma possibilidade divinatória nem nenhuma bola de cristal que me permita dizer aquilo que poderia acontecer. Se pela conjugação do sistema do ensino