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13 DE JULHO DE 1988 735

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, no que se refere à eliminação da alínea e) do n.° 3 do artigo 74.º, está quase tudo dito. Mas continuo a ver essa alínea - suponho que sem contradita especial- na linha de uma imposição constitucional permanente que é obviamente programática e que não tolhe as mãos do legislador ordinário para percursos que muitas vezes se julga estarem absolutamente vedados de origem. Pretendia também referir alguns outros aspectos, propostos designadamente pelo CDS, pelo PEV e pelo PS. Dando de barato que, na ausência do CDS e do PEV, algum dia se retornará a este debate, remeter-me-ia apenas à consideração daquilo que vem proposto pelo PS.

Suponho que se trata prima facie de uma desenfatização do conteúdo hoje constante do n.° 2 do artigo 74.° Há, todavia, uma explicação para a existência dessa terminologia adoptada, designadamente quando se diz que "o ensino dever ser modificado de modo a superar qualquer função conservadora de desigualdades económicas, sociais e culturais". Essa explicação resulta de qualificar o ensino enquanto tal e em face das suas próprias funções, por forma a impedir que se adoptem modelos que sejam, eles próprios, uma forma de perpetuar as desigualdades económicas, sociais e culturais. A formulação do PS é, efectivamente e no mínimo, um atenuar da injunção constitucional hoje estabelecida. Não é apenas uma descodificação natural, como há pouco pareceu ter sido dito - senão com esta palavra, com outra - pelo Sr. Deputado * Almeida Santos, mas sim algo mais do que isso. Importa saber se de um ponto de vista ideológico - e, para mim, é óbvio que sim- a aceitação jurídica de todas as propostas invalida ou não a percepção do que lhes está subjacente. Por exemplo, a queda sistemática do princípio do favor laboratoris nos projectos do CDS e do PSD tem um óbvio conteúdo ideológico... A nossa leitura vai no sentido de que a proposta avançada pelo PS pode e deve discutir-se, mas com a consciência, de partida, de que ela representa bastante mais do que uma simples fragilização descodificadora daquilo que hoje consta do texto constitucional, embora - e este é o proviso último - daí não advenha, forçosamente, a queda em absoluto da Casa em que estamos a trabalhar, se ela for tida como a Pátria...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, interrompemos agora o debate, a fim de proceder a uma votação no Plenário.

Está suspensa a reunião.

Eram 19 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a reunião.

Eram 20 noras e 30 minutos.

No que diz respeito à proposta do PCP, penso que, se a tónica é - como parece - a preocupação de assegurar o cumprimento da escolaridade obrigatória, talvez a redacção, na hipótese de vir a ser consagrada, devesse ser a inversa, começando-se pelo valor que se quer salvaguardar para só depois se referirem os meios através dos quais se cumpre esse objectivo. De facto, não é só através da utilização do trabalho ilegal de menores que se pode conseguir assegurar o cumprimento da escolaridade obrigatória. Estas medidas preventivas que aqui se arrolam são todas instrumentais do valor que se pretende atingir, ou seja, o cumprimento da escolaridade obrigatória.

Por outro lado, creio que, na hipótese de se consagrar este n.º 4, teríamos de repensar esta formulação. Dizer-se que "o Estado promove as medidas necessárias" -sem dizer quais- "à eliminação das condições económicas, sociais e culturais que conduzam à utilização ilegal do trabalho de menores" é, se me permite, uma maneira quanto mais não seja um pouco "farfalhuda" de dizer aquilo que se pretende. A proibição do trabalho de menores é clara, mas aqui não se visa a proibição, que é objecto de outra proposta. O que se pretende são as medidas necessárias à eliminação das condições favoráveis à utilização ilegal do trabalho de menores. Consequentemente, penso que, desde que centrada na tónica do dever de assegurar o cumprimento da escolaridade, e considerando a proibição do trabalho ilegal de menores como um dos instrumentos tendentes a atingir aquele objectivo, esta proposta pode ter virtualidades.

Foi-me perguntado qual a razão da nossa proposta relativa ao n.° 2. Devo dizer que sempre tivemos uma particular reserva à formulação contida no actual n.° 2, ou seja, a de que "o ensino deve ser modificado de modo a superar qualquer função conservadora de desigualdades económicas, sociais e culturais". No fundo, o que se pretende é que o ensino deixe de ser elitista e cave ainda mais as desigualdades. Se bem que seja isto o que se pretende, a formulação utilizada é mais do que retorcida. Talvez pudéssemos distorcê-la, dizendo o mesmo de forma positiva, ou seja, que "o ensino deve contribuir para a superação das desigualdades".

Quanto à proposta do PSD, não creio que se deva eliminar tout court o n.° 2, sobretudo na medida em que encontremos para este número uma formulação que, estou certo, não provoca especiais reacções da parte do PSD.

Em segundo lugar, quanto à progressiva gratuitidade estabelecida na alínea é), concordo com o meu colega António Vitoríno e penso que é esse o ponto de vista do nosso partido. O facto de aqui se dizer que incumbe ao Estado "estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino" não impediu até hoje a existência de propinas. Na alínea a) consagra-se a obrigatoriedade do ensino e a sua gratuitidade até um certo nível. A partir desse nível, a escolaridade, como estatui a alínea e), deve ser progressivamente gratuita. Pessoalmente, esta norma não me repugna, na medida em que, até hoje, não criou problemas. E, se se quer ir ao encontro da injustiça que consiste no facto de o ensino ser gratuito para os que são ricos e para os que são pobres, existem formas de se impedir essa situação, inclusivamente pela via fiscal. Porém, não vejo que isto impeça, como disse o Sr. Deputado António Vitorino, a articulação com a isenção de propinas.

Por outro lado, o Sr. Deputado Pacheco Pereira colocou a hipótese de, amanhã, um ministro considerar que deve aumentar drasticamente - foi a expressão usada - as propinas e lançar uma política de bolsas de estudo. Devo dizer que, se o objectivo é o aumento drástico das propinas, a existência desta norma é positiva para o evitar. Porém, não evita a correcção razoável das propinas É exactamente por essa razão que esta norma ainda tem conteúdo, evitando inclusivamente o aumento drástico das propinas. Mas também não decorre daqui que as propinas só possam ser reduzidas e nunca minimamente aumentadas. Não é isso que cá está. Até hoje esta norma não criou problemas. A gratuitidade do próprio Serviço Nacional de Saúde - e aí, sim, a Constituição prevê a sua gratuitidade - tem sido compatibilizada com taxas moderadoras. Ora, nesta matéria não se estabelece a gratuitidade mas a progressiva gratuitidade. Esta norma é tão soft, tão suave, tão razoável, que não me parece que deva desaparecer e, sinceramente, não