730 II SÉRIE - NÚMERO 25-RC
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Tentarei ser o mais breve possível.
Creio que, em termos do artigo 74.°, foi possível,. consagrar em termos constitucionais - e penso que há um grande consenso sobre a matéria- alguns princípios quanto ao direito ao ensino, não apenas como o direito da frequência escolar, mas também como o direito do sucesso na escola. Este é um dos aspectos essenciais da Constituição da República Portuguesa que não vejo questionado por ninguém e, aliás, está desenvolvido em lei da República. Se estão ou não a ser tomadas as medidas a dar cumprimento a este preceito constitucional, essa é outra matéria. Do nosso ponto de vista, estamos longe de estarem a ser adoptadas as necessárias medidas.
Diríamos que, do nosso ponto de vista, a manutenção do n.º 2 justifica-se plenamente, porquanto se mantêm na sociedade portuguesa e têm vindo a agravar-se nos últimos tempos as desigualdades económicas, sociais e culturais. Não e por acaso, por exemplo, que se verifica que na juventude portuguesa começa a surgir uma faixa de jovens entre os 18 e os 20 anos que reiniciam a frequência de cursos de alfabetização. Ora, a escola tem de ter uma intervenção positiva, para que, através da unificação dos conteúdos educativos, da abertura da escola à vida, da abertura da escola ao meio, possa contribuir para reduzir as desigualdades. A escola não resolve, obviamente, as desigualdades sociais, económicas e culturais, mas pode dar um contributo muito positivo nesse sentido, e daí nós entendermos que o n.°2 se justifica plenamente.
A nossa proposta quanto ao n.º 4 está defendida. Diria apenas, para concluir, que não nos parece que a argumentação aqui apresentada pela Sra. Deputada Assunção Esteves relativamente à eliminação da alínea e) tenha qualquer cabimento nesta sede. Estamos aqui a falar de grandes princípios que vinculam o Estado e as escolas públicas no essencial. Pela mesma ordem de razões, V. Exa. poderia dizer que poríamos em causa o ensino particular, uma vez que tínhamos que cabe ao Estado assegurar o ensino básico, universal, obrigatório e gratuito, e nesses níveis não há também ensino particular, e que estamos a acabar com escolas particulares ao nível do ensino básico universal e gratuito. Pela sua argumentação íamos muito longe, Sra. Deputada. O que está em causa neste momento tem a ver com o proémio do n.º 3, que refere que "na realização da política de ensino incumbe ao Estado", portanto aos poderes públicos, "assegurar ou estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino". Chamo a atenção para a incoerência da argumentação de V. Exa. 8, que, em relação a determinados dispositivos de outras alíneas deste artigo, levaria a tornar totalmente impossível a existência do ensino particular em Portugal. Essa argumentação volta-se contra V. Exa. Creio que a vossa proposta é outra e a argumentação não deve ser bem essa; devem rememorar a argumentação, porque essa é anti-PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação, para fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lemos, queria fazer-lhe uma pergunta - na área do bom senso, quanto mais não seja.
É evidente que o preceito que está vertido na Constituição, designadamente a alínea e) do n.° 3, contém uma máxima, um desiderato tendencial. Só que a questão que quanto a nós se põe é esta - e falo em nome pessoal em
relação a isto -, e posso colocar-lhe esta dúvida que gostaria de transformar numa pergunta dirigida a V. Exa. se este desiderato é em si mesmo um factor de igualdade, ou, melhor, e mais concretamente, se este desiderato em termos de igualdade é essencialmente legítimo para o Estado, ou, ainda melhor, se este desiderato, sendo tendencialmente legítimo, é praticável, é desejável e é aconselhável do ponto de vista do Estado. Isto porque o grande problema que se nos coloca é saber se nós queremos que cidadãos possidentes e não possidentes paguem o mesmo pelo ensino. Se V. Exa. quer que realmente uma norma deste tipo ou um desiderato deste tipo esteja vertido na Constituição, tem já qualquer coisa deste género ou poderia ter qualquer coisa de muito pior. Se não quiser, então garante o que garante o articulado do projecto do PSD, designadamente a alínea d), que já está neste artigo, e quanto a nós cumpre essa função, que é assegurar a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados de ensino, de investigação científica, é a criação da igualdade de oportunidades e não o princípio genérico, a meu ver completamente despido de bom senso, de assegurar por esta forma uma coisa que não deve ser assegurada quanto a nós.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Queria fazer uma pergunta do mesmo teor ao Sr. Deputado Jorge Lemos que desenvolve alguns destes considerandos e que provavelmente dará oportunidade a irem um pouco mais longe na análise da posição do PSD sobre esta matéria.
Coloco-lhe a seguinte questão: partindo do pressuposto de que nem sempre a gratuitidade assegura a justiça social e sabendo-se que a esmagadora maioria, em termos percentuais, dos estudantes do ensino superior são oriundos de um pequeno estrato da sociedade portuguesa, ou seja, que a esmagadora maioria dos filhos dos trabalhadores, das pessoas que trabalham por conta de outrem, não tem acesso ao ensino universitário, não lhe parece que, por exemplo, a gratuitidade do ensino universitário constituirá uma forma de injustiça social, na medida em que uma grande maioria das pessoas que trabalham iriam pagar o ensino de uma grande maioria de estudantes que o poderiam, eles próprios, pagar por valores mais próximos do seu justo preço? Não lhe parece que a afirmação de gratuitidade implicará que o Estado possa corrigir esta situação através de uma política de concessão de bolsas de estudo que garanta efectivamente a alínea d) do n.° 3 do artigo 74.°? Ou seja, não haverá por de trás da reinvindicação de gratuitidade para todos os graus de ensino a manutenção de uma situação de injustiça social mais grave do que aquela que o artigo pretende suprir?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos, para responder.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Tentarei corresponder ao bom senso pedido pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação. Creio, aliás, que a linha de argumentação deste Sr. Deputado é bastante mais viável e mais subtil que a usada pela Sr.* Deputada Assunção Esteves. Se tivesse começado por aí, sem ofensa, obviamente, talvez pudéssemos ter outro tipo de conversa.
Começaria por responder ao Sr. Deputado Pacheco Pereira para lhe dizer o seguinte: a vossa preocupação não é a de garantir a justiça social e de assegurar o direito de acesso dos trabalhadores aos mais elevados graus de ensino, porque no artigo que se refere à universidade o PSD tem o