O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1768 II SÉRIE - NÚMERO 55-RC

O Sr. José Magalhães (PCP): - A história da conservação desta norma constitucional e do processo de elaboração de normas legais, bem como de aplicação de normas legais para incriminação e julgamento de agentes e responsáveis da ex-PIDE/DGS, é, porventura, um dos mais lamentáveis episódios da construção do Estado de direito democrático em Portugal, da efectivação de justiça em relação ao regime fascista e de punição daqueles que mais directamente agiram por forma a aplicar uma Constituição injusta e opressiva e uma armadura jurídico-legal e jurídico-penal persecutória e violadora de todos os direitos humanos. Essa punição é exigência de qualquer regime democrático que suceda ao derrube de uma ditadura fascista como esta que tivemos em Portugal.

Verificam-se vicissitudes que aqui não reproduzirei, mas não poderei deixar de referir algumas. A solução aprovada, recebida na Constituição em condições que têm problemas específicos, foi plasmada, depois, em leis ordinárias, que deram origem a episódios sem conta; foi apreciada em debates parlamentares e instâncias de controversa fiscalização, suscitou melindrosos problemas de articulação com as instituições militares, de articulação entre ordens e estruturas, de articulação entre órgãos de soberania de natureza e extracção muito diversa. A muito se assistiu: a utilização abusiva de faculdades de atenuação; não julgamento e não incriminação de muitos e muitos agentes, muitos e muitos responsáveis; claudicação na aplicação de penas nos poucos casos cometidos a julgamento; exaltação ou reconhecimento da valia de alguns desses agentes e responsáveis; relevantização de serviços prestados (como se se tratasse de um ofício como outro qualquer - o do tercionário). Tudo isso, que está recheado de episódios lamentáveis, diria mesmo negros, da nossa vivência democrática e do funcionamento de um determinado segmento da administração da justiça em Portugal, não deveria terminar em absolvição total. Há cicatrizes cuja persistência não é apenas simbólica!

Como o Sr. Deputado Costa Andrade sublinhou, desses crimes não deixará de haver memória e essa memória não é apenas a que em nós, homens e mulheres, sobrevive. É também a memória jurídico-penal decorrente do facto de esses crimes não serem prescritíveis.

Nesse sentido, quaisquer que sejam as vicissitudes, quaisquer que sejam os episódios que possamos evocar, quaisquer que sejam as injustiças praticadas no processo de praticar justiça, qualquer que seja, até, o acinte que decorre do facto de o Governo do PSD medalhar, neste momento, e atribuir pensões chorudas a alguns dos responsáveis pelas actividades de perseguição e de repressão - qualquer que seja esse património negro, esta norma não deve desaparecer da Constituição!

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Era só uma pergunta muito rápida. Pela sua intervenção, Sr. Deputado José Magalhães, dá impressão de que V. Exa. - e não discuto, pois fui muito dubitativo na minha tomada de posição, mas parto do princípio de que temos que acabar com esta norma ou, pelo menos, de que esta norma é transitória e o legislador constituinte sempre o pretendeu assim - lhe retira esse carácter. É verdade? E, portanto, mantém-se a ideia da transitoriedade?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, a norma está nas disposições finais e transitórias da Constituição.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Esta é final.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Os crimes em causa, como V. Exa. teve ocasião de sublinhar, são imprescritíveis. Naturalmente, as leis da vida determinam os limites a partir dos quais a norma esgota a sua finalidade. Ainda aí, essa norma não deixaria de ter uma função. Mas creio que estamos longe desse limite, ainda aí.

Por outro lado, o que nos preocupa é também o significado inocentizador, o significado limpa-memória, instilador de amnésia cívica, que uma operação deste tipo pode assumir.

Não estou a dizer que seja esse o propósito de V. Exa. Estou a dizer que esse significado não é de excluir e gostaríamos que ele não fosse incluído, a nenhum título.

O Sr. Costa Andrade (FSD): - Sr. Deputado José Magalhães, ao estabelecer uma conotação com o sentido da nossa proposta, V. Exa. - honra lhe seja feita - fez-me a justiça de afirmar que essa não seria a minha intenção. E eu pretendia dizer, também em nome do PSD. que essa não é a nossa intenção. Sempre que se confrontou com este problema, o PSD foi, desde que o conheço, sempre a favor da punição exemplar dos crimes cometidos pelos responsáveis da PIDE/DGS. O PSD sempre entendeu que esses crimes deviam ser punidos e, como todos os portugueses e todos os democratas, experimentou uma certa frustração pela não efectivação dessa punição exemplar. De facto, essa punição não foi feita.

Também entendemos que talvez não se tenham seguido os caminhos mais correctos para se efectivar essa responsabilização.

Algumas fraquezas e algumas controvérsias que enfermavam a própria legislação que foi aprovada talvez tenham tirado à justiça muita da sua tensão e muita da sua força para a efectivar.

A retroactividade, mesmo tratando-se de situações extremas, é altamente questionável e, do meu ponto de vista, ilegítima.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas, Sr. Deputado Costa Andrade, como é que a lei devia ser, se não retroactiva?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Era fácil, estou convencido. Não fui perseguido e não fui vítima de inflicções por parte da PIDE, mas dou como bons os relatos dos democratas mais directamente atingidos, que foram vítimas de ofensas corporais, de cárcere privado, de homicídio, de todo um conjunto de crimes contra o património, etc.. Esses crimes eram suficientes para, à luz da consciência jurídica do povo português, serem mais facilmente efectiváveis. No entanto, isto pertence ao passado. Do nosso ponto de vista, elimine-se ou mantenha-se essa norma, pensamos que os tempos já estarão maduros para prescindirmos dela. De facto, em nosso entender, o artigo 298.° é uma norma transitória, que não pode ter o sentido - não o tem do ponto