desconstitucionalização da regionalização... Não vale a pena iludirmos a questão, porque comecei por dizer isso já na semana passada e também hoje de manhã na minha explanação inicial sobre o artigo 255.º. É evidente que se o PSD defende, como defendeu no seu projecto desde o início, a necessidade de haver um referendo não pode iludir a hipótese de esse referendo dar "não".É um pressuposto lógico e necessário do facto de se pretender introduzir no processo o referendo que se acabe com a imperatividade, como o Sr. Deputado também referiu. Ou seja: não faz qualquer sentido acharmos que há uma reforma qualquer que deve ser feita, condicionada à vontade dos portugueses, e, depois, dizer que ela é imperativa em qualquer circunstância, porque quem manda no País são os portugueses. Se pretendemos que haja uma consulta, temos de aceitar que as pessoas, no referendo e não na Constituição, digam se a reforma é ou não para ir para a frente.
Daí que o que o PSD faz, desde o início, no projecto de lei que apresentou de reforma constitucional, ao apostar na necessidade do referendo para a reforma da regionalização do País, por coerência e por respeito pela vontade das pessoas que vão votar no referendo, é dizer que a regionalização não é um imperativo constitucional, tão-só neste sentido e nesta medida, ou seja, remete a decisão sobre essa imperatividade para os portugueses.
Não é sério estar a dizer que o PSD faz coisa diversa desta. Que fique claro para toda a gente! Penso que isto é perfeitamente linear: não se pode defender que sejam os portugueses a decidir uma coisa e, depois, cristalizar no texto constitucional algo que impende sobre os portugueses como a "espada de Dâmocles". Isso é que não seria sério!
Por outro lado, queria fazer aqui uma precisão em relação à sua afirmação de que o PSD começou por defender que só se deveria perguntar aos portugueses se queriam ou não a regionalização e que agora evoluiu no sentido de defender a referenda de um modelo de regionalização. Permita-me que o corrija, Sr. Deputado. Isso não é verdade, porque o PSD sempre defendeu - de resto, o texto está aqui à frente de toda a gente para o demonstrar - que se deveria referendar o modelo, deveria explicar-se aos portugueses o que é que quer dizer...
Todos nós sabemos que há diversíssimas opiniões sobre o que é ou o que deve ser a regionalização em Portugal e há posições controvertidas sobre esta matéria. Portanto, para que haja linearidade na consulta referendária a fazer aos portugueses sobre esta questão, é preciso que eles saibam o que é que se lhes está a perguntar e, nesse sentido, o PSD sempre defendeu que o que deve ser sujeito a referendo ou o que deve ser perguntado aos portugueses é se eles querem a regionalização, apresentando-lhes o modelo.
O que podemos discutir - e aí o Sr. Deputado tem razão - é qual o conteúdo exacto e o âmbito global dessa lei, seja ela lei-quadro ou lei de criação, não é a denominação que está aqui em causa, como, há pouco, dizia o meu colega Pedro Passos Coelho, mas, a nosso ver, tem de ser uma lei suficientemente esclarecedora sobre que modelo, que tipo de regiões, é que a Assembleia da República preconiza que seja instaurado no País e, depois, os portugueses terão a última palavra, através do referendo, para dizerem: "Sim, senhor! Concordamos que o País seja dividido em regiões conforme nos é proposto"...
Portanto, temos de lhes propor um modelo, temos é que discutir rapidamente e tentar pormo-nos de acordo, através das regras normais de formação de maiorias democráticas, sobre qual o modelo de regionalização que preconizamos para o País e, depois, os portugueses dirão no referendo nacional se concordam ou não com esse modelo.
Mas que fique claro - e o texto do projecto de lei de revisão da Constituição aqui está para o provar - que o PSD, desde o início deste processo, sempre defendeu que se deveria referendar uma lei que definisse o modelo de regionalização, embora tenha havido evoluções noutros aspectos pontuais.
Quanto à questão da nova proposta que o Sr. Deputado fez o favor de nos ler, peço, desde já, porque a cópia do texto chegou agora aqui, a compreensão do Sr. Deputado para que ele possa ser analisado com profundidade e, portanto, que a sua discussão em definitivo passe para a próxima reunião. Penso que é uma questão de bom senso.
De qualquer modo, face à explanação que o Sr. Deputado fez, não queria deixar de lhe levantar uma questão, que é a seguinte: numa primeira audição, devo confessar-lhe que não vale a pena, do meu ponto de vista, estarmos a fazer construções jurídicas muito complicadas e muito elaboradas, iludindo a questão de fundo, que é o efeito político que terá para os portugueses o problema da simultaneidade ou do desfasamento temporal.
Por mais construções jurídicas que possamos, eventualmente, aqui arquitectar sempre elas terão de ser - pelo menos o PSD continuará sempre a defender isso - previamente avalizadas pelo Tribunal Constitucional, para assegurar, por um lado, a constitucionalidade e, por outro, a clareza da fórmula encontrada, porque o PSD tem aí fundadíssimas dúvidas em termos técnico-constitucionais quanto à admissibilidade sequer de uma qualquer simultaneidade.
Mas, em qualquer circunstância, queria chamar a atenção do Sr. Deputado de que podemos até fazer um esforço muito profícuo e encontrar o "ovo de Colombo" em termos técnico-jurídicos, mas continua a haver uma questão política fundamental, que é a seguinte: como é que o Sr. Deputado pode aceitar colocar os portugueses perante o facto consumado de, tendo-se pronunciado favoravelmente, quiçá por maiorias de 70 ou 80%, em algumas regiões, quanto à instituição em concreto da região que lhes diz respeito...? Vamos imaginar que, por exemplo, na região do Algarve ou na região do Porto, havia 70% dos eleitores que, à segunda pergunta de alcance estritamente regional, respondia claramente "sim". Como é que se pode iludir a expectativa política desses cidadãos que se pronunciaram nesse sentido e, depois, por um mecanismo jurídico qualquer que estava numa lei orgânica ou numa outra lei qualquer, a sua deliberação era metida na gaveta, quando devia ser entendida como soberana, pensamos nós, no respeito pelo Estado de direito democrático?
Sr. Deputado, para além das extraordinárias dúvidas técnico-constitucionais que mantemos sobre a possibilidade de, em abstracto, encontrar uma fórmula que seja aceitável em termos jurídicos, há também esta questão política, e não gostaríamos que ela fosse iludida de alguma forma.
Não se trata apenas de cozinhar aqui uma saída técnico-jurídica, temos também de encontrar uma solução que, politicamente, seja compreensível e aceitável como boa e digna por todos os cidadãos a quem vamos colocar as perguntas no referendo.