fundamental dessa mesma Constituição. E admitimos que assim seja porque se não fosse esse o alcance útil não teria um alcance significativo a proposta do CDS-PP.
Ora, o Partido Popular, teremos de o reconhecer, em matéria de princípios fundamentais ordenadores da matriz constitucional, propõe-nos uma certa regressão quanto à matriz constitucional do nosso Estado de direito, do Estado de direito social, que manifestamente está plasmado na Constituição, para um Estado de direito liberal submetido mais ao princípio da subsidariedade na posição do Estado perante a sociedade, à lógica do Estado mínimo e não interventor, no sentido em que os direitos fundamentais plasmados neste princípio fundamental, retirando-lhes a sua vertente que se suporta na democracia económica, social e cultural, apenas fariam evidenciar os valores dos direitos de liberdade.
Ora, os direitos de natureza económica e social são hoje também direitos fundamentais, como tal consagrados no capítulo dos direitos fundamentais da nossa Constituição. Por isso, entendemos que esta proposta do CDS-PP não é de aceitar, na medida em que tenderia para descaracterizar justamente essa matriz da nossa Constituição, que é, manifestamente, a de um Estado de direito social que acolhe as preocupações da democracia económica, social e cultural e os respectivos direitos fundamentais de natureza económica, social e cultural.
Relativamente ao aprofundamento da democracia participativa, poderíamos dizer a mesma coisa. O CDS-PP tem-se destacado ultimamente por exigências muito solenes em matéria referendária, e não deixa de ser, também neste ponto, um pouco controverso, senão mesmo contraditório, que deixasse de conferir aos mecanismos da democracia participativa e à oportunidade do seu aprofundamento um valor consolidado, ao nível dos princípios fundamentais da nossa Constituição.
Não estamos, portanto e em síntese, disponíveis para aceitar essa proposta do CDS-PP, justamente porque nos damos bem com a natureza compromissória da nossa Constituição relativamente à sua dimensão estatutária e à sua dimensão programática, e consideramos que o alcance e o conteúdo dos direitos fundamentais, entre direitos de liberdade e direitos de natureza económica e social, deve continuar a ser preservado, e, mais do que isso, claramente assimilado ao nível dos princípios fundamentais da Constituição.
Relativamente à proposta do PSD, que nos merece simpatia, de alguma maneira, ela parece reflectir - e o PSD confirmará ou não este meu ponto de vista - quase que um pequeno acto de penitência feito em sede de revisão constitucional. O PSD terá, e se assim é congratulámo-nos com o facto, superado a sua crise ideológica relativamente às chamadas forças de bloqueio. Afinal de contas, faz sentido o princípio da separação de poderes, faz sentido até enunciá-lo nos princípios fundamentais da Constituição e, portanto, uma página menos brilhante do discurso retórico do PSD poderá ficar encerrada nos trabalhos da revisão constitucional e isso é motivo de viva congratulação da nossa parte.
Quanto à técnica constitucional propriamente dita, temos alguma diferença de análise quanto ao seguinte: o conceito de poder político é um conceito operacional sobretudo no domínio da ciência política e enquanto facto político, que o poder político exprime, ele dever ser, em sede de Direito Constitucional, regulado ao nível da norma jurídica. De algum modo, é essa a previsão do nosso artigo 111.º, em matéria de princípios gerais de organização do poder político, quando constata que o poder político, enquanto facto, pertence ao povo mas é exercido nos termos da Constituição, para depois definir os órgãos que exprimem a soberania e, portanto, que realizam as funções do poder que ao povo pertencem.
E, sendo assim, penso que os conceitos de separação e interdependência são constitucionalmente mais ajustados do que os de divisão e de equilíbrio de poderes.
De alguma maneira, a palavra divisão é hoje uma palavra - embora reconheça que não é seguramente essa a intenção do PSD - que pode ter alguma ambiguidade. É que modelos de divisão de poderes foram vários, não apenas o modelo da separação vertical de poderes, de acordo com o célebre princípio de Montesquieu, que a nossa Constituição manifestamente acolhe, mas também outros modelos de divisão horizontal de poderes que deram origem aos sistemas convencionais de governos, os quais, manifestamente, redundaram em forças de concentração e não de equilíbrio de poderes.
Nesse sentido, preferimos o conceito de separação, por menos polissémico e constitucionalmente mais ajustado do que o conceito de divisão.
Por outro lado, no que diz respeito à questão do equilíbrio, consideramos que, do ponto de vista da Ciência Política, é naturalmente um conceito conhecido, que procura estabelecer a lógica dos sistemas de controle entre as funções do poder - a lógica de que já falava Montesquieu -, mas também esta noção de equilíbrio supõe que os poderes se organizam de forma homogénea: o poder legislativo, de um lado, o executivo, de outro, e o judicial, de outro e, eventualmente, por cima destes, o célebre poder moderador de que falava Benjamim Constant, lá pelos idos do século XIX.
Hoje, não é este conceito que está plasmado na Constituição, na medida em que não se trata de um equilíbrio entre poderes homogéneos, no exercício de uma parte da função política, mas de verdadeira interdependência. E veja-se, por exemplo, as regras de repartição de funções entre a Assembleia da República, na sua função legislativa, e o governo, na parte em que também exerce função legislativa, para compreendermos que os mecanismos de exercício de funções nos órgãos de soberania são mais do tipo de interdependência do que na lógica deste equilíbrio que acabei de referir.
Por isso, penso que é positiva a preocupação manifestada pelo PSD, e nisso o acompanhamos se se tratar de fazer inscrever no artigo 2.º a consagração dos dois grandes princípios materiais do constitucionalismo moderno: a consagração dos direitos fundamentais, que, de facto, já consta do artigo 2.º, e o da separação de poderes, que falta.
Na medida em que pudermos incluir esse novo aspecto - novo no texto constitucional mas velho e, de facto, plasmado na nossa ordem constitucional -, que é o princípio da separação de poderes, e se pudermos adoptá-lo utilizando os mesmos conceitos que a Constituição já acolheu, talvez pudéssemos encontrar aqui uma fórmula de comungarmos do mesmo ponto de vista, adoptando conceptualmente aquelas fórmulas já plasmadas na Constituição e, a meu ver, mais rigorosas do ponto de vista do modo como se relacionam os órgãos de soberania na matriz constitucional portuguesa.
Portanto, comungando da mesma preocupação do PSD, optamos, e convidamos o PSD a optar connosco, pelo