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conceito de separação e interdependência, em lugar do de divisão e de equilíbrio de poderes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais e como primeiro ponto, desejo lembrar que a proposta do PSD, no sentido de a Constituição acolher o princípio da divisão de poderes, é uma proposta tão antiga como a participação do PPD na Assembleia, aquando da organização da Constituição, e nada tem a ver com essa teoria das forças de bloqueio, a que o Sr. Deputado Jorge Lacão fez referência.

Risos.

Em segundo lugar, desejo dizer que não é assim tão linear que, na nossa prática constitucional, se tenha aceite tão facilmente o princípio da divisão de poderes. Pelo contrário, verifiquei, algumas vezes, até no Tribunal Constitucional, alguns engulhos sobre esta questão. Será que a nossa Constituição consagra o princípio da divisão de poderes? É que há um gravíssimo equívoco na nossa cultura jurídico-pública que, como é claro, é alimentada de muita maneiras e nós somos filhos uns dos outros.
Nos anos 30, instalou-se por todo o lado aquela velha ideia de que um reino dividido contra si próprio não pode subsistir e, portanto, que a divisão de poderes era uma falácia. E isso coube e soube excelentemente às forças que se organizaram totalitariamente na Europa, como agradou às forças que estavam nascentes por outros espaços. Se VV. Ex.ªs lerem os Comentários de Lenine, Os Pensamentos de Mao Tsé Tung ou os teóricos do nacional-socialismo alemão verificam, em todos eles, que o princípio da divisão de poderes é uma ideia burguesa que não pode aceitar-se de maneira nenhuma.
Portanto, quando nós, insistentemente, apelamos para esta coisa, que na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1789 ficou como a pedra de toque das constituições, de os poderes estarem divididos e não terem de ser homogéneos, podendo ser muito diferentes - até o poder real, que também é um poder, embora tenha uma legitimação diversa, não é homogéneo com os demais -, para que se perceba que o funcionamento geral da comunidade política resulta de um allier de concert de todas as entidades orgânicas divididas horizontal e verticalmente.
É esta a ideia que está por trás da filosofia da divisão de poderes, ninguém assume qualquer vanguarda, nenhuma pessoa concreta, nenhum partido assume o comando da vida política. É esta a filosofia que está por trás do princípio da divisão de poderes, que, desaparecida durante umas décadas, voltou, no fim da guerra, a aparecer nas constituições europeias.
Aliás, ao fazê-lo, o PSD até tem sido um lídimo defensor da filosofia republicana. Se VV. Ex.ªs forem às nossas constituições e as analisarem sobre este ângulo, isto é, sobre qual é aquela que leva mais longe o princípio da divisão de poderes, verificarão que é a Constituição de 1911, onde até nem se esqueceu, por exemplo, em relação ao poder local, às câmaras municipais, de distinguir muito bem o princípio de que um poder controla, reequilibra e equilibra - faz o equilíbrio reflectido, diria aqui Wols - em relação a outro. É esta a ideia que está por trás desta proposta, dividir os poderes políticos dentro do Estado, como formações de direcção do mesmo Estado. São diversos, estão divididos (para estar separados tem de estar divididos primeiro) e numa relação de equilíbrio entre si. É esta a lógica que está por trás disto.
O facto de no artigo que foi referido se aludir à separação de poderes e à interdependência de poderes não evitou que o Tribunal Constitucional tivesse dificuldades, em algumas decisões, em considerar que o princípio da divisão de poderes fazia parte das características estruturais do Estado português.
Daí, esta nossa insistência. Pode ser separação, mas creio que se perde em substituir a divisão pela ideia da separação, porque a divisão é que repugna a uma visão totalizante da política, que não tem só uma matriz mas, sim, várias e essas concepções confluíram, num mesmo período longo, em vários espaços do mundo.
Portanto, creio mais correcto dizer divisão de poderes e, depois, que há uma relação de equilíbrio entre eles, do que dizer que se separam.
A interdepência não é melhor que o equilíbrio, porque, então, passariam a depender uns dos outros e, portanto, creio que é preferível equilibrarem-se todos uns aos outros. Trata-se de um texto que, sendo mais antigo, tendo mais tradição constitucional, também é mais rico de significado.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Verdadeiramente, não sei se esta discussão pode fazer-se sob o signo da memória evocada há pouco pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo, como seja a tradição interna do PSD, o seu esforço pela conquista de espaços constitucionais, porque, verdadeiramente, a Constituição é filha de uma superação de algumas das teorias a que o Sr. Deputado Barbosa de Melo agora aludiu.
Se, após 1989, foi possível falar, talvez com alguma razão - e não por acaso me escorei nessa expressão -, do esplendor restaurado do princípio da separação de poderes, foi precisamente pelo facto de que a queda do Muro de Berlim, com o enterro de algumas das concepções que, sobre a separação de poderes, tinham cavado uma grande divisão de pensamento constitucional entre famílias, precisamente a visão que, de um lado, colocava a separação como princípio organizador do Estado e, do outro, aquela que considerava que essa divisão deveria ser superada a bem de uma concentração que filiava concepções do tipo jacobino ou leninista, ou de outras concepções aparentadas, criaram um pensamento político global e totalizante.
Portanto, independentemente dessa discussão, que marcou todo o nosso século, é um facto, pode falar-se, com razão, acho eu, desse esplendor restaurado, mas a verdade é que a nossa Constituição, dadas as felizes circunstâncias da sua elaboração, tinha condensado uma superação de uma grande querela político-ideológica e tinha chegado a uma fórmula plástica que, não se identificando com as concepções de separação que, em certo momento, habitaram o edifício do constitucionalismo, e que se escorava em Montesquieu e noutros pensadores, conseguia felizes sínteses, que harmonizam a separação com as diversas dependências e interdependências e constróem um edifício bastante equilibrado, nisso residindo a sua virtude.