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Portanto, ao trazer esta ideia em 1996 e propondo que ela seja inscrita no artigo 2.º da Constituição, o PSD dificilmente pode prescindir desse debate que se realizou e que, no caso português, culminou no artigo 114.º. E muito bem! Mas quando se tratar agora de inscrever no artigo 2.º o que pode ser uma ideia feliz constitucionalmente, como o Sr. Deputado Jorge Lacão, de resto, limitou em várias nótulas positivas e de apreço manifestadas na intervenção que começou por fazer, ao inscrevermos isso na Constituição, não vale a pena tentarmos fazer de conta que estamos agora, aqui, a fazer a Constituição e a superar aquilo que foi superado em 75/76, nos debates constituintes de então. É que, nessa altura, já as grandes sínteses estavam em elaboração e elas foram acolhidas na Constituição.
Quando se trata, agora, de aditar uma expressão, a preocupação expressa pelo Sr. Deputado Jorge Lacão parece-me muito correcta. Que inovação é que faremos em relação àquilo que está corporizado, e bem, no artigo 114.º? Alguma coisa? Nenhuma coisa? Por mim, diria, Sr. Deputado Barbosa de Melo, que nenhuma coisa, a não ser ter o cuidado de densificar e precisar o artigo 2.º. E essa densificação não terá nenhuma colisão com os adquiridos constitucionais nem se traduzirá, seguramente, num regresso a Montesquieu, se esse Montesquieu, a que aludiu na sua intervenção, alguma vez existiu, o que é uma questão, como sabe, muito discutida. Trata-se de densificar, sem colisão com os adquiridos constitucionais.
Não haveria acordo para esta leitura, na nossa marcha comum?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, creio que há lugar para muitos acordos, mas temos é de nos entender, porque se não nos entendermos uns aos outros, então, o acordo é totalmente impossível.
Se V. Ex.ª for pesquisar a doutrina que coalhou nessas fórmulas da separação e interdependência dos poderes, ou seja, se for à procura disso na literatura portuguesa, talvez encontre essas fórmulas na escola de Direito Público, da qual somos todos filhos, quer se trate de formados em Lisboa, alunos do Prof. Marcelo Caetano, que, por sua vez, foi aluno do Prof. Fezas Vital, quer dos que se formaram em Coimbra, alunos do Prof. Queiró ou Dr. Carlos Moreira, que, no fundo, pertenciam à mesma escola.

O Sr. José Magalhães (PS): - Foi o que eu sublinhei!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - A ideia da separação e da interdependência são fórmulas dessa matriz. Esse momento cultural fez uma ruptura com a cultura republicana portuguesa e, por isso, apelo pelo regresso às origens, não a Montesquieu - aliás, admirável seria se conseguíssemos fazer uma constituição com a beleza com que ele a imaginou, mas, enfim, talvez tenha sido o sonho de um teórico e nós somos legisladores, no concreto. Mas a história não se reconduz a fórmulas, felizmente, caso contrário, Sr. Deputado José Magalhães, um computador se encarregaria de viver por nós o resto da história e nós gostaremos de cá estar e de ir inventando coisas que não estão no computador.
Portanto, tenho a consciência de que as fórmulas que estão nos artigos 114.º e 116.º são sínteses, são fórmulas que são nossas e não tão universais como V. Ex.ª poderá julgar. São de cá, onde, bem cedo, houve um reflexo inimigo do princípio da divisão de poderes.

O Sr. José Magalhães (PS): - Permita-me que o interrompa por apenas um segundo, Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - É que a querela que separou, de um lado, liberalismo e, do outro, social-democracia; de um lado, liberalismo e, do outro, leninismo; de um lado "libertá" e do outro jacobinos, essa querela que marcou esta caminhada histórica projectou-se numa síntese feliz, compromissória do artigo 114.º. Que novidade é que o Sr. Deputado vai introduzir em relação a essa síntese? Tanto quanto vi, nenhuma! Estou de acordo com o tal esplendor restaurado, mas gostava de saber se não estamos a restaurar uma quimera.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Deputado, não quero restaurar quimeras, quero apenas princípios estruturais, que são, aliás, características estruturais do Estado de direito democrático...

O Sr. José Magalhães (PS): - Certo!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - ...que não tinha qualquer preceito em 76. Para já, a única parte da Constituição onde aparece essa fórmula é no preâmbulo, que, há bocado, aqui tão veementemente defendi.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Foi tirado a ferros!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não havia nenhum preceito onde estivesse o Estado de direito democrático como está aqui, como epígrafe deste artigo que estamos a discutir.
Quando digo que faltou cá o princípio da divisão e equilíbrio de poderes, quero significar que isto é um princípio de n dimensões na ordem jurídica pública e até na ordem jurídica privada. O artigo 116.º tem a ver com os órgãos de soberania, mas é uma outra questão, já muito restrita, e esta é uma questão geral, que tem a ver com a estrutura de todo o Estado, de toda a ordem jurídico-pública. No fundo, no fundo, é o princípio da competência, traduzido em que cada qual só pode exercer os poderes que as leis lhe dão, que a Constituição lhe dá e mais ninguém. É esta ideia, traduzida em termos de características estruturais do Estado de direito, que o PSD gostaria de ver figurar no artigo 2.º. É só isto que queremos! É pouco, se calhar, mas é, de algum modo, significativo na caracterização do Estado de direito que temos.
A interdependência é um avanço, mas é curto e, por isso, dei o exemplo da Constituição de 1911, em relação ao poder local, às câmaras municipais. Leiam VV. Ex.ªs o que está na Constituição de 1911 sobre o poder municipal e vejam o cuidado que tiveram aqueles constituintes de introduzir aí o princípio da divisão e equilíbrio de todos