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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração a proposta do PSD para substituir o n.º 2 do artigo 3.º da CRP, ou seja, para substituir o texto actual "O Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade democrática" por "O Estado subordina-se à Constituição, às leis e ao direito".

O Sr. José Magalhães (PS): - Separou-se a apresentação da proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro?

O Sr. Presidente: - Separei porque são propostas distintas sobre temas distintos, e, por isso, não passei ainda à proposta do n.º 3. Não passei à discussão da proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, está apenas em discussão a proposta que enunciei.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, esta proposta, do ponto de vista prático, coloca a seguinte questão: a Sr.ª Deputada diz "porquê manter a expressão legalidade democrática no estádio actual da nossa democracia?" Porém, pode pôr-se a questão ao contrário e perguntar porquê eliminar a expressão legalidade democrática.
É evidente que ela nasceu num contexto bastante específico, que foi exactamente a ideia de que poderia haver um culto da legalidade e até uma afirmação do Estado de direito que, na prática, correspondessem à negação de direitos, liberdades e garantias fundamentais e de princípios estruturadores fundamentais do Estado democrático e, daí, esta preocupação de adjectivar a legalidade, sem dúvida nenhuma no quadro compromissório que a Sr.ª Deputada, e bem, referiu, mas, em todo o caso, com o propósito que, creio, é inteiramente louvável.
Porém, a questão que se coloca é se a expressão que o PSD propõe em substituição, por sua vez, não aparece ligada a determinadas experiências históricas e preocupações historicamente definidas. Por exemplo, a expressão "lei e direito" coincide com a Constituição de Bona de 1848 e tinha subjacente, inclusive, a ideia de que haveria um conjunto de valores plasmados na ideia de direito que seriam, de algum modo, superiores à própria legalidade vigente.
Naturalmente que isto era algo que, em última instância, poderia ter outras leituras, designadamente uma leitura de utilização da ideia de direito contra, por exemplo, a ideia de legalidade vigente e, designadamente, de legalidade democrática vigente. Certamente que não é esse o propósito do PSD, mas a questão que se coloca é a de saber quais são as vantagens concretas desta alteração.
Um segundo aspecto é também o de saber a razão da ideia de eliminar a afirmação de que o Estado se funda na legalidade democrática. Isto é, a Constituição procura hoje, por um lado, afirmar uma ideia de subordinação própria Constituição e, por outro lado, uma ideia global de que o Estado se funda na legalidade. O PSD, pura e simplesmente, adianta a ideia de subordinação à Constituição, às leis e ao direito, o que, creio, é empobrecedor em relação àquilo que está actualmente na Constituição, isto é, por um lado, a ideia de subordinação à Lei Fundamental e, por outro, a ideia de que o Estado se funda na legalidade democrática.
Por outro lado, creio que esta expressão legalidade democrática tem a vantagem de ser uma expressão marcadamente abrangente, tendo potencialidades para abranger o bloco legal, isto é, não apenas as leis, em sentido formal, mas todas as outras normas jurídicas, incluindo, na situação actual, por exemplo, as normas emanadas da Comunidade Europeia e todas as outras normas a que o Estado deve obediência.
Portanto, resulta um pouco da explicação da Sr.ª Deputada esta perplexidade: perde-se alguma coisa, neste contexto, e não fica muito claro aquilo que se pode ganhar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, na actual redacção do artigo 3.º, n.º 2, há virtudes, potencialidades e características, sobre algumas das quais, aliás, o Sr. Deputado Luís Sá acaba de se pronunciar, resumindo os termos da hermenêutica, inclusivamente dando-lhe uma nota actualista na interpretação do conceito de legalidade democrática para incorporar também os adquiridos da construção comunitária, o que me apraz, aliás, sublinhar. E essas virtualidades dispensam abono, ou seja, esta redacção de um "Estado subordinado à Constituição", nos termos que claramente devem ser reconhecidos ao artigo 3.º, n.º 2, e "fundado na legalidade democrática", com tudo o que flui dessa expressão, tem características positivas que importa sempre sublinhar.
Quais são as virtualidades decorrentes da redacção introduzida pelo PSD? Essa é a questão que está por apurar e sobre as quais, infelizmente, a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo não trouxe alguns dos abonos que, francamente, esperava e deixou em "fluo" algumas coisas que talvez houvesse vantagem em iluminar com holofotes e à luz crua.
Se há alguma ideia alheia à Constituição e mesmo hostil a ela é a de que possa haver valores jurídicos indefinidos, uma amálgama conceptual no que se refere à lógica jurídica, suprema, superior à Constituição, e que possa estabelecer com ela uma ordem de conflitos, valores que sejam oponíveis aos valores constitucionais mas igualmente fundadores e subordinadores do Estado.
Nas ordens constitucionais, esse debate existiu e a importação desse debate para Portugal, felizmente, foi excluída em 1976, foi excluída também em 1982, foi excluída ainda em 1989, não esteve presente sequer no debate da revisão constitucional extraordinária de 92 e é agora reintroduzida e suponho que, hoje como ontem, merece a mesma resposta pelas consequências fluidificadoras e incertificadoras do valor da própria ordem constitucional, potenciadoras de conflitos entre a lei e um direito definido em condições que certas escolas, aliás, teorizam abundantemente como potenciadoras de conflitos. Não vemos francamente vantagem da introdução na Constituição dessa dimensão.
No passado, isso fundou teorias de derrube da ordem constitucional, em nome do conflito entre normas de ordem constitucional e um certo conceito de direito. Mas, em 1996, Sr.ª Deputada, não vejo sequer que haja grandes ecos dessa grande guerra constitucional entre um certo conceito de direito e a constituição socialista vista como ameaça a certos valores. É que ecos dessa guerra já nem andam pelo acampamento e, assim, não vemos que haja vantagem em trazer o clangor dessas tubas que, francamente, já andam "caladotas" e desafinadas pelos arraiais. Não vemos vantagem!