O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que está aberta a reunião.
Eram 15 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Para dar início a uma série de encontros com associações profissionais da comunidade jurídica, vamos começar por ouvir a Associação Portuguesa de Direitos dos Cidadãos. Connosco está o Sr. Dr. Garcia Pereira, Secretário-Geral desta Associação, que, como é óbvio, dada a notoriedade da sua acção, não necessita de apresentação.
O propósito destes encontros é proporcionar à Comissão em geral os pontos de vista das diversas associações sobre as propostas da revisão constitucional e em particular sobre aquelas que têm que ver com os direitos fundamentais e com a organização judiciária, sem prejuízo, obviamente, de os nossos convidados poderem pronunciar-se sobre todas as questões que entendam relevantes do ponto de vista das atribuições das respectivas associações.
Portanto, darei a palavra ao representante da Associação, utilizando o seguinte esquema: teremos um período inicial para exposição das questões, de cerca de 10 ou 15 minutos; depois, haverá um período para os membros da Comissão, se o desejarem, fazerem perguntas ou comentários e, depois, daria a palavra outra vez à Associação, para responder ou contra-comentar aquilo que for dito. Estabeleceríamos assim um período de cerca meia-hora, até 40 minutos, dado que temos ainda mais audições durante a tarde de hoje. O esquema que adoptei para esta reunião é semelhante ao que temos tido com outro tipo de associações, nomeadamente com os parceiros sociais, com quem já tivemos uma audiência com este formato.
Tem a palavra o Sr. Dr. Garcia Pereira, Secretário-Geral da Associação Portuguesa de Direitos dos Cidadãos.
O Sr. Dr. Garcia Pereira (Secretário-Geral da Associação Portuguesa de Direitos dos Cidadãos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Associação queria começar por saudar esta iniciativa no sentido de conhecerem as suas opiniões, à semelhança das suas congéneres, o que nos parece ser um método bastante correcto e enriquecedor da discussão em torno destes problemas da revisão constitucional.
A nossa Associação fez um exame bastante cuidadoso dos diferentes projectos apresentados e queríamos exprimir aquilo que constituem as nossas principais preocupações na perspectiva dos direitos dos cidadãos, sobretudo.
Um primeiro ponto que nos chamou imediatamente a atenção, até pela actualidade do tema, foi o das diferentes questões suscitadas pelas possíveis alterações a introduzir ao actual artigo 33.º da Constituição, em particular no que respeita à extradição e expulsão de cidadãos portugueses.
É entendimento da Associação que alguns dos projectos apresentados, designadamente e a título de exemplo, o projecto apresentado pelo próprio PS, contêm, salvo melhor opinião e melhor interpretação do próprio texto, possíveis alterações de grande gravidade, do ponto de vista dos direitos dos cidadãos. A primeira coisa é que não se percebe como é que se admite a possibilidade de expulsão de cidadãos portugueses do território nacional, tanto mais que são conhecidos os compromissos que foram assumidos na base dos Acordos de Schengen e outros instrumentos semelhantes e tememos que o que isto queira dizer seja, amanhã, a facilitação da extradição por meios, enfim, não jurisdicionalizados, ou pelo menos em que não haja garantias de defesa dos cidadãos abrangidos. Aliás, foi com algum espanto que ouvimos o Sr. Ministro da Justiça fazer declarações públicas, recentemente, sobre a extradição de cidadãos ao abrigo de políticas conjuntas de segurança a nível europeu que nos parecem completamente ao arrepio dos textos constitucionais e legais já actualmente em vigor. Obviamente que nos parece que seria de consagrar que um cidadão português nunca poderá ser expulso do território nacional e que a extradição só pode ser admitida em condições, digamos, de completa defesa dos seus direitos, com uma proibição - aqui sim, parece-nos que é correcto assinalar - de que não haja extradição para Estados em que haja pena de morte ou outras penas, como a prisão perpétua, cruéis, degradantes ou desumanas.
Depois, há um outro ponto que tem a ver com as garantias de defesa dos cidadãos. Saudamos o facto de, em alguns dos projectos, estar consagrado expressamente o papel do advogado na administração da justiça. Não há tribunais nem justiça sem advogados e é espantoso que se tenha de ter chegado a 20 anos depois do 25 de Abril para, finalmente, segundo parece, haver hipótese de vir a ser consagrado expressamente, no texto constitucional, o papel insubstituível do advogado. E, atenção, trata-se de advogado e não de defensor, repito, não é defensor. Defensor, aliás, é uma inovação jurídica do Código de Processo Penal que tem servido para toda a sorte de abusos relativamente aos direitos dos cidadãos e até são conhecidos casos, onde, inclusivamente, há arguidos presos em que até já o próprio guarda captor foi designado como defensor por ser a única pessoa que estava ali à mão.
Portanto, trata-se de consagrar, quer na Constituição quer, depois, naturalmente, em obediência a este princípio, nos textos da lei ordinária, designadamente no Código de Processo Penal, o direito do cidadão a ter o seu defensor.
Há uma outra questão, que não deixa de ser polémica mas que eu creio que não poderia deixar de ser examinada pelos Srs. Deputados, que é a questão da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da actual forma de inquérito em processo penal.
Há um princípio básico, consagrado na Constituição, que é o de toda a instrução deve ser presidida por um juiz. Ora, esse é um princípio que está, pelo menos segundo algumas opiniões, bastante subvertido no actual processo penal, na medida em que actualmente, sob o pretexto de que a seguir ao inquérito poderá sempre haver instrução a requerimento do arguido ou do assistente, estaria salva a constitucionalidade da forma processual actual. A verdade é que os processos-crime têm toda uma primeira fase que é dirigida e orientada por um sujeito processual que tem óbvio interesse no desfecho da acção. O Ministério Público é um sujeito processual, tem óbvio interesse no desfecho do processo e é de mais do que duvidosa a constitucionalidade de que ele o possa dirigir, ainda por cima com o entendimento que está neste momento largamente consagrado e aplicado nos tribunais a propósito do segredo de justiça.
Chamo a atenção para que, nos nossos tribunais, em 99,99% dos casos em instrução - atrever-me-ia a dizer que, na fase de inquérito, em 99,999999% dos casos -, o segredo de justiça é entendido como uma verdadeira instrução preparatória, que é o que ele é, sendo o inquérito secreto. Portanto, aquele princípio, e chamo a atenção para isso, aquele direito que vem consagrado no Código de Processo Penal de o arguido estar presente em todo os actos que directamente lhe digam respeito, ser totalmente torpedeado pela simples razão de que ele não tem nenhum