chamada cidadania europeia, porque permite a participação em eleições nacionais, em eleições para órgãos de soberania, assim como permite o acesso aos tribunais, embora não aos tribunais superiores.
Estou a falar de um conteúdo de direitos políticos muito mais extenso, mas reservado a imigrantes, isto é, um direito reservado aos residentes permanentes e que se perde com a perda da residência permanente. Portanto, quando se agita o problema da disparidade de dimensões entre o Brasil e Portugal está a levantar-se um falso problema, porque o Estado tem sempre a possibilidade de controlar e de limitar o acesso dos brasileiros e dos outros povos de língua portuguesa ao País. De facto, apenas gozam dos direitos aquelas pessoas que foram admitidas com residência permanente no País e ao fim de alguns anos após terem obtido o estatuto de igualdade de direitos civis.
Chamo a atenção para este facto porque esteve em discussão, este mês, em Portugal, o chamado "estatuto do cidadão lusófono" e verifiquei pela leitura de jornais que, realmente, o estatuto do cidadão lusófono tem o enfoque na liberdade de circulação. Portanto, é a tal ideia eurocêntrica de que cidadania se confunde com liberdade de circulação. Nessa reunião, realizada em 10 de Maio, estiveram presentes responsáveis dos serviços de fronteiras, de emigração e de relações exteriores dos países da CPLP para se avançar para a definição do estatuto de cidadão lusófono. Pelo menos, é o que informam os jornais. Designadamente, foram discutidas questões relativas a passaportes, vistos, estada, circulação de pessoas e, ao que parece, vão apresentar um relatório que será discutido em São Tomé e Príncipe brevemente, na reunião de ministros da CPLP.
Temos ainda a informação de que Portugal terá encomendado ao Professor Gomes Canotilho um trabalho sobre esta problemática, no qual se fez um levantamento das populações residentes no espaço da CPLP. Esse estudo revela que Portugal tem, realmente, grandes comunidades nestes países: cerca de 1,2 milhões no Brasil, 18 000 em Angola, 12 000 em Cabo Verde, 500 na Guiné, e, enfim, 240 em São Tomé e Príncipe. Também no que respeita à imigração, constatamos que existe uma vasta comunidade cabo-verdiana em Portugal, que oficialmente é constituída por 38 000 imigrantes, mas que se estima em mais de 80 000, 10 900 angolanos e 10 400 brasileiros, 20 000 guineenses e cerca de 5000 moçambicanos e são-tomenses.
A proposta do PSD estende-se, evidentemente, ao espaço da lusofonia, não é limitada ao Brasil - nem o artigo 15.º da Constituição o é! Porém, não podemos ignorar o facto de termos com o Brasil, há mais de 30 anos, uma convenção bilateral, o que não acontece com os outros países e, nos termos da Constituição, teria de acontecer. Portanto, não podemos estendê-la ao espaço da CPLP sem prévios acordos a nível bilateral.
Já mais no plano político das relações entre Portugal e o Brasil, este é um assunto que é incompreendido no Brasil e tem envenenado as relações entre os dois países. Aliás, no Brasil são feitas cíclicas ameaças de eliminação: há grupos de Deputados (felizmente, a iniciativa não tem merecido acolhimento) que propõem a eliminação, pura e simples, do artigo 12.º da Constituição brasileira, o que seria uma solução bem mais radical do que aquela que nós próprios adoptámos. De facto, em Portugal, o que não se fez foi ir além do que está convencionado deste há 30 anos, mas nunca houve proposta alguma de recuo em relação ao celebrado com o Brasil nessa data, enquanto que no Brasil a questão põe-se em termos de eliminar o artigo 12.º da Constituição brasileira.
Também chamo a atenção para este ponto, pois penso que não faz sentido fazermos uma revisão da Constituição sem equacionarmos este problema e sem tentarmos resolvê-lo, até porque o Brasil não compreendia que não o fizéssemos; não compreenderia que, havendo uma revisão constitucional em que se abordam vários pontos, este tema não fosse contemplado.
Penso que não vale a pena estar aqui a descrever o que se passou na última revisão constitucional, porque as propostas são bem conhecidas, quer as do PSD quer as do PSD. Como bem se recordarão, a proposta do Partido Socialista abria a possibilidade de os brasileiros serem membros do Governo, mas excluía a eleição para Deputado e o exercício da magistratura, assim, sem mais, o que seria um retrocesso em relação quer à Convenção de 1971, em que apenas se excepcionavam os juízes dos tribunais superiores, quer ao texto brasileiro, sabendo nós que há, no Brasil, muitos portugueses que são magistrados e, até, magistrados de tribunais superiores. Estas são as linhas gerais do projecto.
Antes, porém, de terminar a minha intervenção, gostaria de acrescentar uma pequena nota: não é apenas nesta matéria que falta reciprocidade; falta reciprocidade, também, por exemplo, numa disposição da actual Constituição brasileira, disposição essa que vem já de meados do século XX, salvo erro de 1946, que permite a aquisição da nacionalidade brasileira pelos portugueses e pelos outros povos lusófonos ao fim de um ano. Essa é uma disposição que abrange todo o mundo da lusofonia, enquanto que os direitos políticos abrangem apenas Portugal.
Ainda neste plano da CPLP, é interessante notar que quando a Convenção foi celebrada, em 1971, ela abrangia efectivamente, em termos de atribuição de gozo de direitos civis e políticos, todo o espaço da CPLP, uma vez que Portugal ainda era um país com as suas colónias e, portanto, negociou em termos de todo o espaço português. Não será, pois, uma novidade voltar a estender este estatuto a todos os povos que falam português. Como digo, não me parece nada errado que estejamos a discutir a facilitação; pelo contrário, parece-me muito bem a facilitação da liberdade de circulação entre os países da CPLP, mas julgo que é muito importante termos a noção de que estamos a atribuir direitos políticos, nos termos do convencionado e do que agora propomos, apenas a imigrantes residentes permanentes num país.
Com esta noção de uma cidadania diferente da cidadania europeia será bem mais fácil negociar a nível da CPLP, ou será mais fácil negociar este aspecto, se quiserem, do direito de cidade, do que o próprio direito de livre circulação.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar, a pergunta que quero formular prende-se mais com o modo como está redigida a norma, uma vez que se pode prestar a algumas interpretações que, julgo, não estão na mente dos proponentes.
A Sr.ª Deputada fez a distinção entre cidadania para efeitos de cidadania europeia e cidadania portuguesa e referiu-se às interligações que existem entre as duas cidadanias, principalmente por causa da livre circulação das pessoas dentro da União Europeia. Mas a forma como a